20.10.05

O Palácio do Freixo: cultura e negócio

Há um folhetim com o Palácio do Freixo que vem de longe e é elucidativo do suposto conflito e incompatibilidade existente entre cultura e negócio. Mas, de facto, pode ser um bom exemplo em como cultura e negócio podem singrar perfeitamente de "braço dado".

Sintetizando o historial do dito palácio, uma das emblemáticas obras de Nicolau Nasoni no Porto:
  • Foi objecto de obras de restauro há alguns anos, tendo sido recuperado de um estado de completa degradação em que se encontrava;
  • O restauro foi efectuado por iniciativa do então presidente da Câmara Fernando Gomes, não tanto por razões de conservação de um património artístico e arquitectónico, mas sobretudo pela intenção de lá instalar a pomposa sede de um futuro Governo Regional do Norte, para cuja presidência aquele figurão se achava especialmente fadado;
  • Frustrada a regionalização, o executivo de Rui Rio herdou um imóvel emblemático totalmente recuperado, mas para o qual não havia qualquer utilização permanente. Tirando uma ou outra recepção, o edifício apenas foi utilizado para uma reunião do Conselho de Ministros no tempo do "descentralizador" Santana.
Surge então a oportunidade de ceder o imóvel ao Grupo Pestana que o aproveitaria para uma Pousada de luxo, num local especialmente adequado para aquele segmento hoteleiro. Nos termos de um protocolo então estabelecido (link só disponível para assinantes), o Grupo Pestana dispõe-se a investir 11 milhões de euros na adaptação a Pousada das instalações do Palácio do Freixo e da contígua ex-fábrica de Moagens Harmonia e na construção de um centro de eventos. Pela cedência dos imóveis o Grupo pagaria à Câmara 1 milhão de euros à data da abertura da Pousada e uma renda simbólica durante 60 anos, o período previsto para a concessão ? 5.000 euros/mês durante os primeiros 5 anos e 2.000 euros/mês nos restantes.

O referido acordo foi por duas vezes "chumbado" no actual executivo camarário, pela junção dos votos do PS e da CDU. Entre outras razões para o "chumbo", elencavam-se o mau negócio que o projecto constituía para a Câmara e o inadmissível "sacrifício" dos museus da Indústria e Tecnologia e da Imprensa, ambos actualmente instalados na antiga fábrica Harmonia. Põe-se a hipótese deste último se manter na futura Pousada, sendo que se prevê transferir o outro para o edifício da Alfândega, outro edifício público claramente sub-ocupado e com muito melhor situação para albergar um museu.

De acordo com a referida notícia do Público, o projecto terá agora hipóteses de ser aprovado pela nova vereação de Rui Rio em que ele dispõe de maioria absoluta, muito embora o PS e a CDU mantenham a sua oposição ao mesmo com argumentos tristemente caricatos. Assis considera que "o edifício tem de estar totalmente aberto à cidade", já que "foram gastas avultadas quantias de dinheiros públicos na sua recuperação". Rui Sá, por sua vez, insiste no mau negócio para a Câmara, que receberá um montante exíguo por uma longa concessão de 60 anos e, supremo sacrilégio, "não está garantido à população o direito de usufruir do palácio e dos jardins à volta".

Eu não sei se os 2,62 milhões de euros (a preços actuais) que a Câmara irá receber pela concessão serão suficientes para recuperar o investimento efectuado por Fernando Gomes. Mas a alternativa seria ter um edifício sem qualquer utilidade relevante e com elevados custos fixos de manutenção, ou recusar estes e condená-lo a nova degradação. Com o negócio perspectivado, cria-se utilidade económica a um espaço desocupado, geram-se empregos, qualifica-se a oferta turística da cidade e aumentam-se a prazo as receitas da câmara via taxas e impostos municipais que incidirão sobre o novo negócio. Tudo isto em simultâneo com a preservação de um património com indiscutível valia arquitectónica e, cereja no bolo, sem custos para os contribuintes.