A inversão do ónus da prova em matéria fiscal tal como ele tem vindo a ser anunciado viola as mais elementares garantias dos contribuintes, que ficam ainda mais vulneráveis nas garras da máquina tributária.
Importa não esquecer que a Fazenda Pública dispõe já de um inqualificável privilégio de execução prévia, pode desde logo executar as dívidas que ela mesma apura, ainda o sujeito passivo está a discutir em sede própria se os montantes são ou não devidos.
Tudo isto é grave, pois a tramitação processual é lenta, traduzindo-se essa morosidade num prejuízo do contribuinte, que se vê compelido a adiantar o dinheiro ou a entregar garantias, vivendo sobressaltado na agonia lenta de uma decisão desfavorável. Se à morosidade se juntar a qualidade das decisões graciosas e contenciosas, então o cocktail é verdadeiramente explosivo.
A par de uma legislação que se constrói em redor de uma visão Estatista - que pressupõe erradamente que a máquina burocrática funciona e que quem julga, seja na Administração Pública, seja nos Tribunais, é sempre um iluminado imparcial e competente, capaz de decidir em tempo útil questões que se rodeiam por vezes de uma brutal dificuldade - assiste-se ao crescimento de uma das piores formas de autocracia, a automatização dos processos na Administração Fiscal.
A introdução da informática na Administração Fiscal norteia-se por imperativos de eficiência e simplicidade de processos, nem sempre compatíveis com a complexidade da legislação fiscal e com as liberdades e garantias previstas, quer na Lei Geral Tributária, quer no CPPT, as quais não são muitas vezes «modelizáveis». O que leva a que, com frequência, sejam «sacrificadas» pelas aplicações informáticas.
Com uma agravante: o sistema informático é, hoje, na Administração Fiscal, uma espécie de «Oráculo de Delfos», cuja «verdade revelada» em geral não é questionada (à semelhança, aliás, do que ocorre noutros sectores de actividade). Só quem tenha conhecimentos jurídicos e fiscais sólidos - e uma enorme capacidade de persistir - é capaz de reagir contra toda esta tecnocracia.
O cidadão comum, esse, presta-se a ser devorado pela fera predadora que o Estado atiçou para saciar o seu apetite voraz. O poder político deu «carta branca» à Administração Fiscal, mas exige-lhe resultados de curto prazo. A sua boa performance justifica que se atropele tudo e todos, que se aponte um dedo acusador a quem, até hoje, nunca deixou de cumprir as suas obrigações, com argumentos hipócritas do estilo «quem não deve não teme». Se necessário, que pague o «justo pelo pecador», que tudo é feito por uma boa causa, importa salvar o Estado Social, e isso implica alguns «sacrifícios» e «incómodos».
Neste momento, o fiel desta balança são os funcionários da Administração Fiscal (não todos, mas felizmente, muitos deles) que, experientes e habituados a lidar com a burocracia, funcionam como pólo de bom-senso e reposição da equidade. Não fossem estes funcionários diligentes, não tivessem dois olhos, ouvidos e palmos de testa, e as consequências seriam muito mais graves.
A guerra da Administração Fiscal contra a fraude, infelizmente, não olha a meios, e tem feito muitas vítimas inocentes. Dizem que é necessário. Não sei, duvido. O que não percebo é que tudo isto seja motivo de orgulho para o Presidente da República, discursando no dia em que comemora a República.
Um dia um amigo quis saber porque era eu Liberal. Respondi-lhe que sempre o fora, mas que a minha militância foi ganhando corpo à medida em que fui conhecendo a verdadeira índole do Estado. «E quando é que isso aconteceu?», perguntou-me. Respondi-lhe: «No dia em que comecei a trabalhar com impostos!».
Rodrigo Adão da Fonseca