9.11.05

AO LAS: O ESFORÇO EM REABILITAR OS INAPTOS DIZ MAIS SOBRE QUEM O FAZ DO QUE ACERCA DO OBJECTO DESSA ILIBAÇÃO


Generoso, LAS, aconselha-me leituras. Um livro quase centenário do brasileiro Oliveira Lima, um dos precursores da maré reabilitadora da figura de D. João VI, em que aquele historiador afirma a necessidade de o vermos com «feições mais dignas» - nas gravuras supra, podemos contemplar alguns aspectos da excelsa dignidade dessa mesmas feições...

Diz, ainda, LAS que «Em auxílio da sua iluminada informação sobre os genes, o carácter e a trajectória política de D. João VI, CAA esgrime contra a "historiografia revisionista" (!), que obviamente leu e que estaria ardilosamente a reabilitar a figura de D. João VI. Sabe-se lá, CAA, com que maquiavélicos propósitos
Não é bem isso. Os «propósitos» desse revisionismo histórico não são «maquiavélicos» - julgo-os mais como reflexos "pavlovianos" (e anacrónicos, o que é mais grave em quem se quer historiador) de tentar elucidar épocas anteriores à luz de visões talhadas para aquela em que se está.
Ou seja: numa época de acentuada mediocridade nacional, como é a actual (perceba-se que o «presidente Sampaio», para mim, nada mais é do que o símbolo cabal disso mesmo), torna-se quase automática a reabilitação das figuras mais tristes da história, precisamente aquelas que contêm mais pontos de analogia com os tempos em que os autores dessa ilibação, tão forçada, vivem.
Nem sequer entendo que se trate de um acto volitivo - a maior parte desses historiadores parte para a análise montado em pressupostos ideológicos acerca dos factos (cometendo, maquinalmente, o pecado dos marxistas em sentido contrário). Depois, naturalmente, regozijam quando percebem que, afinal, as atitudes dessas personagens de outrora assumem uma certa contemporaneidade por comparação.
Nisso têm toda a razão.
Em que é que D. João VI é semelhante a este Sampaio?
Ambos são personagens medíocres muito aquém daquilo que os seus tempos exigiam e exigem; ambos se caracterizam pela tibieza, pela hesitação permanente, pela covardia imanente;
aos dois, falta-lhes o mínimo de rasgo de audácia, de capacidade de romper aquilo que está;
ambos se viram para todos os lados, mudando de opinião consoante aquilo que crêem ser o sentido do vento;
junta-os a alucinação do compromisso a todo o custo;
os dois partilham o mesmo feitio de lidar com os problemas deixando-os marinar na fé dos simples de que as coisas se resolvam por si.
Pessoas assim, ainda que genericamente bem intencionadas, podem ser intensamente prejudiciais quando em posições de mando - foi o que aconteceu nos tempos turbulentos de D. João VI e, noutros moldes e mutatis mutandis, foi o que se passou entre nós nos últimos 10 anos.

Há alguma contradição entre o que escrevi e o facto de que ambos os personagens sejam pessoas relativamente estimadas pelos seus contemporâneos?
Pelo contrário. O tipo de características que os reúne, a sua comum banalidade intelectual, muitas vezes, confundem-se como bonomia, familiaridade e até, bondade.
Como descreve o sempre venerando com a monarquia Veríssimo Serrão: «(...) um rei que fora sempre de trato afectuoso, não raro bonacheirão, e prezando o convívio dos seus familiares e cortesãos» (HP, Vol. VII, p. 398).
Menos simpático parece ser Joel Serrão: «(...) o rei, que não havia sido fadado pela natureza nem com grandes recursos intelectuais nem com vontade firme e esclarecida, que poderia fazer ao longo de toda a sua vida de governante, além de procurar impossíveis equilíbrios, inviáveis mediações entre a rotina e a inovação (...) tíbio, infeliz e bom, o rei, aos baldões dos acontecimentos, encarnou um período calamitoso da história (...)» (DHP, Vol. III, p. 402).
Mais contundente, Oliveira Marques: «(...) Carlota Joaquina, espanhola, mulher do regente D. João (...) gerando filhos de pais desconhecidos. [neste ponto não há semelhanças com Sampaio, bem entendido e sem ironias] (...) o governo e o príncipe regente caracterizavam-se por indecisão, medo, inoportunidade nos actos, inteiramente falhos de planos e ao sabor de caprichos e de pressões de favoritos, totalmente incapazes de compreenderem as grandes mudanças que se estavam a efectuar e de se lhes adaptarem, por pouco que fosse» (HP, Vol. I, pp. 575-576).

Não resisto, ainda, em colocar alguns relatos mais prosaicos, mas que eram sobejamente conhecidos naquele tempo, acerca da ilustre personagem real a quem, num esforço ardente de pensamento desejoso, LAS se refere como «o rei e imperador, que em qualquer outro pais europeu seria celebrado como um grande estadista» (no próximo excerto acabam as analogias com Sampaio): «Comedor insaciável, D. João odiava qualquer contacto com a água. Não tomava banho, nem lavava as mãos e além do mais enfiava frangos inteiros nos bolsos de suas roupas , que ficavam, é claro, gordurosas, imundas e nojentas.
Sua aversão às regras de higiene e asseio faziam com que estivesse continuamente a coçar-se e cheio de erupções cutâneas; mesmo assim, continuava a oferecer as mãos sujas e perebentas, ao beija-mão dos súditos.
Comentava-se até, que não há notícia de que D. João VI tenha alguma vez tomado banho de corpo inteiro, nem no Brasil, nem em Portugal. O Rei usava quase sempre as mesmas roupas e nem sequer o colarinho trocava. Sua nora, D. Leopoldina escreveu que «a carruagem do sogro era tão mal cheirosa, como ela jamais havia visto, nem mesmo na fuga de Napoleão; os tecidos e roupas eram puídos por insectos». A Arquiduquesa de Áustria diz ainda que quando D. João ordenava que lhe colocassem sobre os ombros o manto de audiências sentia o estômago revirar-se.»