4.11.05

CRIME DE LESA-MAJESTADE

Coisa espantosa, a blogosfera!
A propósito de meia-dúzia de linhas que escrevi, aí por baixo, sobre umas declarações do prof. Cavaco, relativas ao que ele entende deverem ser as funções presidenciais, consegui, simultaneamente, ser retratado na GLQL como um desonesto anti-Cavaquista desejoso da derrota do professor, e como um entusiasta defensor do férreo presidencialismo de Sª Exª, no hiperbólico Super-Mário.
Apesar de muito me honrarem com a distinção do paradoxo, não pretendi, nem pretendo, uma coisa ou outra das que me atribuem. Limitei-me, somente e a partir de umas declarações feitas pelo candidato Aníbal Cavaco Silva, a sublinhar o seguinte:
1º que a nossa Constituição é, efectivamente, semipresidencialista e não parlamentar, como a prática dos últimos anos poderia fazer levar a crer;
2º que qualquer cidadão eleito Presidente da República poderá exercer os seus poderes aproximando-se mais ou menos do modelo presidencial ou parlamentar, com uma graduação que, não sendo discricionária é, ainda assim, bastante ampla.
3º Tão ampla que permitiu os governos de iniciativa presidencial de Eanes, dois mandatos completamente distintos de Mário Soares e uma dissolução da Assembleia da República contra a vontade expressa de uma maioria absoluta que lá existia por Sampaio, o que seria completamente impensável num sistema parlamentar;
4º que me parece que as palavras do prof. Cavaco que citei (e que não imagino truncadas pela fonte que referi), indiciam claramente que ele terá uma leitura dos poderes presidenciais mais activa e interveniente, isto é, mais próxima do reforço presidencial do sistema, do que têm tido os seus antecessores;
5º Essa interpretação permitirá ao futuro Presidente da República, que não duvido será o prof. Cavaco, definir as linhas fundamentais da governação do país em consonância, claro está, com o Chefe do Governo. É bom não esquecer que, segundo o semipresidencialismo da CRP, o governo tem uma dupla legitimidade: o PR e a AR. Não é nomeado sem o acordo de ambos e não se mantém se lhe faltar o apoio de algum;
6º Dito isto, que fique claro que não me pronunciei acerca da bondade ou da perversidade do sistema. Limitei-me a fazer constatações óbvias a seu respeito e, quem tiver queixas a apresentar, que as enderece aos constituintes de 1975, alguns deles bem activos na blogosfera;
7º Menos ainda me quis pronunciar sobre o que poderá resultar da futura co-habitação entre uma Presidência ocupada por Cavaco e os governos em exercício. Ninguém poderá, contudo, ignorar, desde que mantenha a lucidez mental, que Cavaco Silva, seja pela preparação técnica de que dispõe, pela longa experiência que teve como Primeiro-Ministro e pela natureza activa do seu carácter, não ficará sentado numa poltrona em Belém, à espera que às quintas-feiras o Sr. Primeiro-Ministro lhe apareça para juntos terem uma conversa em família.
8º Insinuar que o prof. Cavaco será um Presidente moderador e não interveniente, isto é, que não reforce a componente presidencial do sistema, é que é de uma total e completa desonestidade política. Pelo contrário, o que hoje disse o candidato foi francamente sério e honesto. Em breves palavras e sintetizando: «se eu for eleito, não vou governar; mas, comigo na Presidência, nenhum governo governará sozinho». Percebido?
9º Por último, é bom que se entenda que quer o parlamentarismo, quer o presidencialismo são duas formas democráticas de exercer o poder. E que o semipresidencialismo foi concebido excactamente para ficar entre as duas e dar protagonismo aos dois pólos do sistema: o Presidente eleito e o Governo com suporte parlamentar. Nenhum destes sistemas é intrinsecamente perverso ou genuinamente generoso. Como, também, é absolutamente natural (e até desejável) que dois Chefes de Estado distintos (ou até o mesmo, como sucedeu com o dr. Soares) possam ter interpretações dos seus poderes mais ou menos próximas do presidencialismo, mais ou menos próximas do parlamentarismo, conforme o momento e a circunstância política. Esta é a própria lógica do semipresidencialismo.

Dito isto, eu que sempre fui republicano, entre outros motivos, por me desagradar o espírito de corte, no meio de tanto entusiasmo republicano pelo Palácio de Belém, começo a sentir alguma simpatia pela causa monárquica. Um destes dias, a seguir às eleições, quem sabe, peço uma entrevista ao Sr. Dom Duarte Pio, a ver se ele me convence do pouco de que me falta convencer. Assim tenha ele paciência para aturar este seu futuro súbdito.