15.11.05

Disparate do dia (II)

A propósito desta, desta e desta postas, creio que vale a pena reflectir sobre algumas questões.
A Lei de Imprensa (Lei 2/99) em vigor, apesar de ser recente (é de 13 Janeiro de 1999, data em que os jornais digitais tinham já alguma divulgação), continua a falar, exclusivamente, de "publicações impressas".
Daqui resultaria, em princípio, a exclusão dos blogues, mesmo que de conteúdo predominante ou mesmo exclusivamente informativo ou opinativo. O legislador teria pensado, apenas, nas publicações em papel. Repare-se, por exemplo, nas exigência plasmadas no artigo 15.º:

«2 - As publicações periódicas devem conter ainda, em página predominantemente preenchida com materiais informativos, o número de registo do título, o nome, a firma ou denominação social do proprietário, o número de registo de pessoa colectiva, os nomes dos membros do conselho de administração ou de cargos similares e dos detentores com mais de 10% do capital da empresa, o domicílio ou a sede do editor, impressor e da redacção, bem como a tiragem


Trata-se de exigências manifestamente ignoradas pela generalidade dos blogues, até porque, muitas vezes, dificilmente se pode falar em "proprietário" ou em "capital" ou, sequer, em "empresa", embora, a talho de foice, fosse interessante analisar os blogues na perspectiva do campo do Direito em que o conceito de "empresa" é mais amplo - o do direito da concorrência [por exemplo, a propósito de eventuais concentrações ou de abusos de posição dominante por parte de alguns blogues (à atenção do PMF)].

Mas o mesmo não sucede com outras "publicações" não impressas - os jornais digitais. Com efeito, se é verdade que a Lei de Imprensa assenta num conceito anacrónico de "imprensa" em sentido gutemberguiano de "papel impresso", não é menos verdade que tal conceito tem vindo a ser interpretado extensivamente, aplicando-se, de modo inequívoco, aos jornais (exclusivamente) on-line (cf. aqui, aqui ou aqui).

Ora, o artigo 6.º da Lei da ERC fala-nos de um outro conceito - o de "COMUNICAÇÃO SOCIAL", conceito que, na referida Lei parece ir muito para além da simples conjugação dos três outros conceitos que tradicionalmente o integravam, definidos nas respectivas Leis: Imprensa, Rádio e Televisão.

A qualificação de um blogue como "imprensa" poderá, eventualmente, ser considerada um disparate. Menos disparatada poderá ser, porém, pelo menos para certos efeitos, a sua consideração como meios de Comunicação Social (e é desta que fala o artigo 88.º do Código Penal e não apenas da "imprensa" em sentido estrito...). Pense-se, por exemplo, na qualificação (com agravação da pena) do crime de difamação prevista no artigo 183.º, n.º 2 do Código Penal.

Se as ânsias controleiras aqui anunciadas se confirmarem, não tardará a publicação de uma lei da "Comunicação Social Digital", que coloque, de modo claro, sob a alçadada ERC todos os meios de distribuição em massa de informação ou de opinião...