Pediram-me para falar. Expliquei que não sou um especialista mas apenas um curioso. Que nem sequer sou judeu e que as vagas memórias familiares que se referem a antepassados hebreus são tão remotas que sempre me sentiria estar a meter a foice em seara alheia.
Insistiram e acabei por aceitar.
O Reitor falou do seu pai, médico, impedido de exercer a profissão
Eu falei das perseguições. Da Inquisição. Da intolerância. Dos marranos. Da necessidade de fingimento colectivo que, de tanto uso, nos torceu o modo de pensar. Do hábito, que a sobrevivência exigia, de exorbitar as demonstrações de fé. Da aversão, que se mantém, a tudo o que pareça novo ou diferente. Do nosso atraso endémico que então se iniciou. Da permanente ideia de que as versões mais externas e extremas de "religiosidade" formalmente militante são um facto natural, socialmente aceite e exibido. Das marcas terríveis na nossa forma de estar que os séculos de terror legaram, tão ténues na aparência que muitos portugueses nem dão por isso.
Também falei em algumas espantosas reminiscências do obedientemente pio estado de negação acerca da Inquisição em Portugal.
Sobretudo, tentei focar um fechar de círculo: falei no Nuno Guerreiro, no Francisco José Viegas, no Richard Zimler, um judeu americano que decide viver em Portugal onde é amado.
Na esperança de alguns em virar de vez essa terrível página da história nos pontos onde, teimosamente, esta ainda persiste.
Falei muito, talvez demais. Mas acho que valeu a pena.