Coincidência ou não, depois desta acusação de beatice, veio o Papa Bento XVI, provável leitor do Blasfémias, distinguir tendências homossexuais de actos homossexuais, tolerando as primeiras (desde que transitórias ou pouco profundas) e reprovando os segundos, qualificando os últimos, além do mais, como pecados graves.
Estando eu longe, muito longe, da ortodoxia católica no que aos costumes respeita, a posição papal não deixa de causar engulhos à proibição constitucional da discriminação em função da orientação sexual, entendida, como por muitos o tem vindo a ser, como a orientação manifestada por actos concretos, a estes se referindo, no mesmo entendimento, a nossa lei fundamental.
Ora, sucede que o artigo 13.º, n.º 2 da CRP proibe, no mesmo plano, a discriminação em função da orientação sexual e a discriminação em função da religião.
Imagine-se então um católico (dos mais beatos), que, em função do seguimento dos mandamentos da sua igreja, discrimina quem pratique actos homossexuais (denunciando, por exemplo, à hierarquia, um padre que, por acaso, viu entrar num dos poucos bares gay da cidade de Braga e que, para além disso e pela mesma razão, se recusa a assistir ao ofício na igreja em que o dito padre oficia). Deverá o beato católico ser acusado de homofobia ou, pelo contrário, deverá recusar-se a legitimidade de tal acusação, na medida em que actuou no escrupuloso cumprimento dos seus deveres e crenças enquanto católico, de acordo com os quais, as tendências homossexuais são consideradas "desordenadas" e "contrárias à lei natural", sem "prejuízo do respeito e delicadeza com que tais pessoas devem ser acolhidas"?
Agora mais a sério: em rigor, o documento papal vem acabar com a discriminação positiva de que os clérigos com tendências homossexuais vinham beneficiando, proibindo-se agora o acesso ao sacerdócio de quem se não mostre capaz de manter a castidade, seja qual for o sexo d@ parceir@ escolhido para violar tal dever (o que poderia não ser claro em face da doutrina anterior). Nesta medida, mais do que uma manifestação de homofobia, a doutrina papal pode mesmo ser vista como o resultado da luta pela igualdade e tolerância.
