21.11.05

Voar Baixinho - As Falácias dos Estudos da Ota

1. Falácia da Viabilidade

Obviamente, a OTA é viável. Como qualquer operação em regime de exclusividade protegida por lei, com possibilidade de estabelecimento de preços de monopólio, num mercado de dimensão satisfatória em que a concorrência não é autorizada a entrar porque as barreiras legais são impenetráveis.

Há perguntas que o governo não quer ver respondidas. Será a OTA viável se a Portela se mantiver em actividade? Será a OTA viável se o governo autorizar outros grupos a construir e a explorar aeroportos comerciais em Alverca, Rio Frio ou em Tires? Admitindo que a Portela tem a sua capacidade limitada, quais as melhores alternativas criadoras de valor?Precisamos mesmo de receber mais aviões ou é melhor aumentar as taxas aeroportuárias para conter a procura?

Há outra maneira simples de aferir a viabilidade da OTA. Afaste-se a ANA do negócio do novo aeroporto e abra-se um concurso público para um novo aeroporto em regime de "Design, Build, Finance, Operate", sem quaisquer garantias de monopólio, sem prometer o encerramento da Portela e sem qualquer aval sobre financiamentos por parte do estado. Se aparecer algum consórcio a jogo, então a OTA é viável.

Claro que o governo não vai fazer nada disto. O governo vai garantir não só o encerramento compulsivo da Portela como vai entregar o monopólio de mão beijada a um só consórcio, vai também liderar o processo de expropriações e ajudará a viabilizar financiamentos avalizando todos os riscos que se mostrarem difíceis de cobrir.

E mesmo assim a OTA só será viável porque nas contas não se vai entrar em linha de conta com outros custos. Por exemplo, os custos que todos os passageiros vão suportar nas acrescidas taxas de aeroporto; os custos acrescidos de deslocação que milhares de trabalhadores e milhões de passageiros vão ter que suportar para se deslocarem da zona da grande Lisboa para o Ribatejo, o custo da nova auto-estrada que será obrigatoriamente construída (ou o alargamento das actuais) para permitir o maior afluxo de veículos entre a OTA e Lisboa e cujas portagens serão também pagas pelos consumidores ou ainda as perdas sentidas pelo turismo pela menor competitividade da cidade de Lisboa.

É como se diz aqui. Uma nova auto-estrada Porto-Lisboa também é economicamente viável desde que a actual A1 seja convertida numa pista para bicicletas.

2. A Falácia dos Privados

"Estão a ver, olha aqui no DN, estavam todos com problemas por causa do défice, afinal vai ser tudo feito por privados, já os calaram", dizia-se hoje na minha mesa de almoço.

Seria muito bom se assim fosse. Para o projecto Ota ser verdadeiramente privado o estado deve abster-se de garantir aos investidores, mais uma vez, coisas como exclusividade ou monopólios, garantias públicas ou preços garantidos. Em situação alguma o estado deve assinar qualquer contrato, garantia, confortos ou side letters com os concessionários ou com as entidades financeiras que se estão a alinhar para financiar o projecto, para lá nas habituais licenças necessárias para desenvolver qualquer actividade económica.

De outro modo não é privado. É uma mistura de SCUT, em que não se paga no tempo deste ministro mas paga-se no tempo dos próximos, com um utilizador/pagador em que a portagem são os "impostos diferidos" na forma de preços artificialmente altos que serão suportados em excesso pelos consumidores de viagens aéreas.

3. A Falácia das Avaliações.

Ao que parece o governo vai publicar estudos económicos feitos pela banca de investimentos. Não preciso ler os estudos para saber o que por lá consta: a Ota é um excelente projecto, com uma TIR entre 11% e 13%, e com um worst case scenario em que a taxa de rentabilidade baixa para os 7%.

Já fiz muitos do género para saber que é assim. O estado raramente quer saber da viabilidade económica de um projecto. O estado pretende quase sempre algo diferente. Em vez de se avaliar o mérito de um projecto baseado num conjunto de pressupostos, pretende-se encontrar o conjunto de pressupostos que melhor viabilizam o projecto. Nesses pressupostos incluem-se todas as garantias e alcavalas necessárias para tornar qualquer nado-morto sem pés nem cabeça numa apelativa mina de ouro para os investidores.

A banca de investimentos, a quem foi entregue a responsabilidade dos estudos, é um dos principais grupos beneficiários de projectos como o da Ota. Basta fazer contas. 1% a 2% de comissões sobre 4 ou 5.000 milhões, para estudos, consultadorias, fees de montagem das operações e de montagem de sindicatos. É difícil dizer que um projecto destes que nos acena com sorriso tão largo não vale a pena. Vale sempre. Mesmo que seja péssimo para outros, é sempre bom para a banca de investimentos. E neste caso, como em quase todos os outros, quem faz o frete ganha o contrato.

A banca comercial, espera, paciente. Já se sabe que para qualquer pedrinha que se encontre no caminho, há um estado que se atravessa e limpa a estrada. Nenhum banco nacional vai querer ficar fora dos sindicatos bancários. Nem todos conseguirão o convite, mas a maior parte vai ter a sua fatiazinha, na proporção da importância relativa de cada um. Todos os participantes vão conseguir aplicar uma parte significativa dos seus recursos disponíveis num excelente projecto risk-free, suportado pelo grande e descuidado accionista Portugal. Não há nada melhor do que isto. É ver as acções dos bancos em alta, assim que a coisa atingir o ponto de não retorno, à medida que os nomes dos vários sindicantes vão sendo conhecidos nos mercados.

O Project Finance será, como sempre, muito bem estruturado, com todos os riscos privados bem identificados, bem cobertos e, nos casos mais complicados em que as companhias de seguros ou as relações contratuais não o permitem, garantidos pelo pai estado. E durante meia dúzia de anos todos estes bancos vão poder aligeirar as suas estruturas comerciais porque a OTA absorve uma parte significativa das novas carteiras de crédito. Dinheiro aplicado na OTA, a longo prazo, é carteira que não precisa de ser renovada todos os anos no competitivo mercado de crédito português.

Parece que ninguém perde. Mas não é bem assim. Os recursos que vão para a OTA não vão para o resto da economia. Nos próximos tempos, as empresas privadas vão sentir maiores dificuldades em encontrar fundos para os seus projectos e as taxas de juro vão subir devido à diminuição da oferta de dinheiro. Toda a actividade económica vai pagar em juros mais altos a opção OTA. E claro, alguns investimentos ficarão pelo caminho por falta de financiamento disponível.

As empresas que vão dedicar parte significa das suas capacidades ao novo aeroporto, não vão ter a mesma disponibilidade para as alternativas que o mercado exige. Os preços vão aumentar no mercado da construção e nas actividades relacionadas e de suporte. O mercado imobiliário vai ser o mais castigado. Alta do preço da construção a par da alta do preço do dinheiro é um sinal de dias negros para o sector. A verdade é que perdemos quase todos, excepto os bancos e as construtoras.

É por estas e por outras que os estudos que vão ser apresentados pelo governo não valem nem o custo do papel em que são impressos. Afinal, para que é que interessam estudos quando a decisão já está tomada?