17.11.05

Regulação como instrumento político II

1. A ideia de que o mercado tem falhas é um facto. Grande novidade. Não há pessoa, instituição ou fenómeno natural que não tenham falhas.

2. Já o empolamento das falhas do mercado e a ideia de que elas devem ser corrigidas pelo estado é uma posição política, muitas vezes disfarçada de argumento técnico.

3. Uma posição política raramente discutida. O que devia estar no centro do debate é a ideia de que existem falhas do mercado que podem ser resolvidas pela intervenção estatal.

4. O ónus da prova não é de quem é contra a regulação. São aqueles que defendem que o estado deve intervir que têm que explicar quais são as falhas do mercado, como esperam que essas falhas sejam resolvidas pelo estado, a que custos para a liberdade e para a inovação e porque é que o regulador está isento de falhas.

5. O regulador, como é óbvio, não é politicamente neutro. A própria ideia de que devem existir reguladores é uma ideia de uma determinada facção política. Os reguladores são escolhidos pelas maiorias políticas. Os seus membros não são anjos, pelo que é natural que tendam a favorecer as suas próprias ideias políticas.

6. O regulador acabará sempre por regular de acordo com os seus preconceitos ideologicos e favorecendo os agentes que defendem as suas posições, e como o próprio instituto da regulação é estatista, é inevitavel que o regulador favoreça as posições estatistas.

7. A Ana Roque escreve neste comentário o seguinte:

Antes de mais, obrigada pela citação e pelo comentário, que me parece bem estruturado. É um ponto de vista - aliás, aqui a questão é exactamente essa - a da opção entre um Estado liberal, absentista, onde o direito de propriedade privada é absoluto e portanto não admite limitações de qualquer ordem, e um Estado que, perante a óbvia e incontornável adopção do modelo económico de mercado, o concilia com a democracia política e tenta assegurar também alguma democracia económica e social (em especial por via redistributiva, como é típico no mercado sujeito à intervenção indirecta do Estado).


Ana Roque sugere neste comentário que existe uma incompatibilidade entre democracia política e democracia económica e social. O que é jargão de esquerda. Ana Roque usa as definições de democracia, distinguindo democracia política da social e da económica típicas da esquerda para justificar a regulação. Este recurso argumentativo é inevitável porque a regulação tal qual se pratica só faz sentuido à luz dos argumentos da esquerda. A regulação não é portanto uma solução pragmática e neutra para disputas na comunicação social, é um instrumento político com o qual a esquerda domina a comunicação social.

8. As liberdades de expressão e imprensa implicam que o estado deve ser neutro em relação a posições políticas. A existência de uma entidade reguladora supostamente neutra, mas que na realidade reflecte o poder dos dois principais partidos e respectivas ideologias, não pode deixar de interferir nas liberdades de imprensa e de expressão.

9. É mais que claro que a Alta Autoridade para a Comunicação Social tem tomado decisões política. Isso foi óbvio no caso RTP, no caso Marcelo e no caso da venda da Lusomundo. Em todos estes casos a Alta Autoridade fez política ultrapassando as suas competências. Noutros casos idênticos a Alta Autoridade calou-se.

10. A ideia de que o estado não pode (não consegue) interferir na liberdade de expressão da net é obviamente falsa. O estado não interfere na liberdade de expressão através da censura directa, mas sim através da sua contribuição para o encarecimento dos meios de difusão. E faz isso criando escassez artificial.

11. O estado tem contribuido, através de uma infinidade de mecanismos reguladores, para o encarecimento da difusão de ideias via televisão. Não existem ainda em Portugal canais regionais. O número de canais de sinal aberto é limitado, a criação de canais de cabo requer autorização, o monopólio da PT, criado e dominado pelo estado, tem impedido a criação de canais de cabo. As rádios são obrigadas a quotas de música portuguesa, a publicidade a determinados produtos é limitada por lei, a comunicação social é obrigada a passar tempo de antena. A televisão pública e a rádio pública fazem concorrência desleal. Isto acontece por decisão política e não por limitações técnicas.

12. O estado tentará impôr regras semelhantes à internet: limites ao anonimato, direito de resposta, limites à publicidade, limites à criação de canais de web TV e, quem sabe, quotas de música portuguesa no podcasting. Note-se que os ISP são já obrigados a registar as comunicações. Estas regras não vão, num futuro próximo, acabar com a liberdade de expressão na net. Mas podem contribuir para aumentar injustificadamente o preço que cada um tem que pagar para divulgar as suas ideias.

13. Ana Roque escreve ainda:

Aqui chegados, é just a matter of taste: há quem prefira o mercado entregue a si próprio, há quem exija que o Estado corrija assimetrias geradas no e pelo mercado. A regulação faz isso bem? É preciso experimentar, não é? Mas nunca correndo qualquer risco no âmbito dos direitos, liberdades e garantias - essa é condição prévia e indispensável, claro. Continuação de boa escrita por aqui.


Não é só uma questão de gosto. Defender que a regulação deve limitar os direitos de propriedade e depois dizer que a regulação deve estar limitada pelos direitos fundamentais não é uma questão de gosto, é muito mais que uma questão de gosto, é uma contradição. O direito de propriedade é o direito ao fruto do trabalho produzido no passado e é indissociavel do direito ao próprio corpo e à própria vida. Não é uma questão sobre a qual se possa ter gosto, porque diz respeito a cada um e não é uma questão estética ou sequer um problema público. E muito menos uma questão sobre a qual se possam fazer experiências. Ao contrário do que pensam muitos esquerdistas, a sociedade não deve ser alvo de experiências porque essas experiências jogam com vidas de pessoas concretas que não têm que ser cobaias de ideologias políticas.