Na posta anterior, o RAF estabeleceu um (excelente) raciocínio pessoal acerca do tema da morte induzida e da morte a pedido (estou de acordo, no essencial, com as suas asserções).
A dado passo refere-se a Ramón Sampedro como o "pobre galego", o que me suscita a seguinte confissão:
- Desde que comecei a pensar no tema que me opus a todas as formas da eutanásia. Por respeito à vida humana e pelos riscos inerentes a uma excepção ainda que minimizada. Mas há cerca de uma década tive oportunidade de assistir a um debate em directo, na TV, entre Ramón Sampedro e um médico português ligado à principal seita religiosa de filiação católica.
O médico-religioso, com um tom presunçoso, defendia que Sampedro não estava em condições de "decidir por si" porque a sua doença lhe teria inevitavelmente "afectado o raciocínio frio e claro" que a circunstância exigia. Que ninguém "no seu perfeito juízo" pedia para morrer mas sempre exigiria o contrário. Donde, concluía, o pedido para morrer do próprio não deveria ser considerado e "só os medicos" poderiam decidir o futuro do doente.
Acontece que Sampedro contra-argumentou com uma argúcia tal, revelando possuir uma inteligência segura e uma determinação tão bem sustentada que destruiu, uma por uma, as razões do médico. Quando Sampedro falava tornava-se evidente que os argumentos da "falta de raciocínio" contra ele usados não passavam de uma falácia.
O médico, acossado e totalmente vencido por Sampedro, não teve outro remédio senão resvalar por inteiro no argumento moral: não está "certo", é errado do ponto de vista da "ética médica", aqui e além também esgrimiu as "leis da natureza".
Tudo em vão. A cada razão apresentada pelo médico, Sampedro retorquia com uma inopinada sabedoria ganhando sempre em lucidez, lógica e, sobretudo, em razões humanas.
Desde esse debate televisivo mudei a minha opinião acerca da morte a pedido do próprio desde que ete disponha de capacidade de determinação livre da sua vontade. Por ele, fiquei feliz quando soube que o desejo de Sampedro tinha sido satisfeito
P.S. Alguns anos mais tarde eu próprio tive um debate público sobre o mesmo assunto com esse mesmo médico. Não tinha evoluído um milímetro. As mesmas razões, iguais argumentos religiosos e morais. A experiência (e a imensa lição que tinha levado em directo) não lhe tinham causado a mínima beliscadura.
Claro que não. As seitas de tudo sabem e para tudo têm respostas certas, inquestionáveis e para além de qualquer perplexidade...