29.3.05
A ORFANDADE DA DIREITA
Parece que o problema da direita portuguesa se limita, no fim de contas, a uma questão de orfandade. Faz parte da sua tradição a subserviência a líderes carismáticos e, quer no PSD quer no CDS, todos andam à procura de um pai que os governe.
Verdadeiramente freudeano, a ausência da paternidade no PSD é sentida há muito mais tempo do que no CDS. Desde a morte de Sá Carneiro que o partido laranja só se reencontrou uma única vez, com Cavaco Silva, a quem barões e baronatos prestaram vassalagem e obediência por mais de uma década. Depois do professor foi o caos: Fernando Nogueira, Marcelo Rebelo de Sousa, Durão Barroso, Pedro Santana Lopes, todos eles, de uma forma ou de outra, nunca foram pacificamente aceites pelo «povo laranja» e, mais tarde ou mais cedo, a «máquina» triturou-os sem clemência, com a pouco honrosa excepção de Barroso, fugido a tempo para Bruxelas. Do senhor que se segue só se sabe uma coisa: será um líder de transição, até que um outro «carismático» se sacrifique no seu lugar.
No CDS as coisas são substancialmente diferentes. Desabituado às sinecuras do poder, o partido da democracia-cristã ficará eternamente grato e expectante em relação a Paulo Portas. No fim de contas, todos os seus putativos sucessores sabem bem que nunca conseguirão fazer melhor do que ele, mesmo que as conjugações astrais lhes fossem favoráveis, o que não é o caso. As próximas eleições autárquicas não auguram nada de bom para um partido que não existe fora de alguns dos grandes centros urbanos, o PS tem quatro anos de governo e a participação nas presidenciais, com Cavaco, será reduzida à triste participação em comícios com a tradicional bandeirinha na mão. Também o dr. Portas não ignora que o seu destino será continuar a fazer o que sempre fez e a única coisa que sabe fazer: política. Desde que, ainda imberbe, escrevia cartas no «Tempo» a admoestar o senhor general Eanes, passando pela actividade de jornalista no «Semanário» e no Independente», à de professor de «História das Ideias Políticas» e, nos últimos anos, feito líder partidário e ministro da nação, toda a sua existência gira em torno da política e continuará a girar. A natureza das pessoas não muda por actos de vontade. Por outro lado, ao sair como saiu e se conseguir evitar o disparate de um regresso precoce, o dr. Portas cumpriu a tradição nacional dos «carismáticos» de direita: estar sempre disponível para abandonar o poder, corolário e consequência da «superioridade natural» de quem manda e do enfado com que o faz. Sidónio «saiu» de cena cedo de mais, Salazar tinha sempre à mão o célebre bilhete do combóio das Beiras, Sá Carneiro passou toda a sua vida política a sair e a entrar de cena (quando morreu, ameaçava com o abandono do governo se Soares Carneiro não fosse eleito presidente), Cavaco governava-nos por favor, tendo abandonado o governo quando hipoteticamente lá poderia ter continuado e Barroso, à primeira oportunidade, mandou-nos a todos às malvas. Só mesmo o dr. Pedro Santana Lopes, de cuja argúcia política se esperava muito mais, continua agarrado a um poder que verdadeiramente nunca teve, para sua desgraça e desmontagem do seu próprio mito.
Com o dr. Portas a coisa terá contornos especiais. Novo, muito novo ainda, com uma invejável folha de serviços prestados ao seu partido e à pátria que o viu nascer, percorrerá um inevitável exílio que o reforçará em termos pessoais. Vai provar à direita e ao país que não necessita deles para continuar a viver. Até que o país e a direita lhe sentirão a falta e, muito provavelmente, o hão-de chamar para que cumpra o imenso sacrifício de os pôr «na ordem». Veremos como volta. Se a insistir na refundação arcaica e democrata-cristã do CDS, se com um projecto que possa ser efectivamente aglutinador e alternativo ao PSD. O tempo o dirá.