22.8.05

Insanidades

A Ana Gomes tem uma forma de ver a realidade bastante curiosa. Convido os nossos leitores a apreciarem este post, hoje publicado na agência propagandística do Governo. Chamo a atenção para a seguinte passagem:

«Portugal em chamas - A BBC, a CNN, o CAUSA NOSSA, telefonemas da família trazem-me Portugal a arder, angustiado e impotente (...). Mais a inundação de incompetência, desorganização, ganância negocial e compadrio que tudo agravaram nos últimos três anos de (des)governação da direita. Estou longe. Ainda aflige e dói mais. (...)».

Para Ana Gomes, este Governo está impoluto em matéria de incêndios. O anterior governo, esse sim, facínoras, puseram o país a arder.

Eu não percebo nada de incêndios. Mas vejo o país a arder e dói-me a alma. Vejo pessoas humildes, algumas de avançada idade, a perder o sentido das suas vidas. Nunca vi o Inferno. Mas deve ser algo parecido com o que viveram nestes dias milhares de portugueses.

Eu não sei porque é que o país arde. Arde, provavelmente, tanto, porque se conjugaram ao longo de décadas diversas condições para que tudo isto acontecesse. As causas são, claramente, estruturais.

À cabeça desta lista de causas estruturais, está, certamente uma: o país arde porque uma geração de políticos incompetentes, de todos os quadrantes políticos, sem excepção - a que também pertence a Ana Gomes - se demitiu de funções e, perante a crise, não assume as suas responsabilidades, culpa sempre o «colega» do lado, pedindo mais meios (e mais estudos), não para apagar fogos, mas para arremessar aos media e aos cidadãos, e aguentar o ciclo político. Mais não querem do que fugir ao inevitável «despedimento» popperiano que permite à generalidade dos eleitores exercer o único poder que a democracia lhes possibilita através de um mísero voto.

Acima de tudo, é importante que comecemos a ter consciência que o atraso do país é estrutural, e que estamos a pagar no presente (nos incêndios, mas também no sistema fiscal, na Educação, na Saúde, na Segurança Social, no acesso ao sistema político) - e teremos de pagar no futuro (sobretudo os mais novos, como eu) - os erros implícitos e explícitos nas decisões de uma classe política, uma vezes oportunista, outras apenas negligente, às vezes corrupta, por tudo isso, impreparada, que se apoderou do poder e que mais não faz que o gerir em benefício próprio.

Acima de tudo, há que deixar de plesbicitar este status quo em que os partidos saltitam e trocam entre si em regime de alternância sem que nada de significativo mude, apenas criando as condições para que o país esteja entregue a si mesmo.

Mais grave ainda: o actual estado de coisas representa um grave assalto geracional, que importa estagnar:

I) Uma floresta que arde representa décadas de trabalho e espera para que regresse ao seu estado inicial.

II) Sempre que há défice, aumenta a dívida a pagar pelas gerações futuras, aspecto particularmente oneroso quando o produto da dívida serve para cobrir despesas correntes e investimentos públicos não rentáveis (ou simplesmente, desnecessários).

III) Quando se reforma um português com um valor superior ao que capitalizou com o seu trabalho ao longo da vida, estamos a consumir hoje o fruto da capitalização que a população activa desconta para acautelar as suas próprias reformas; ora, se a generalidade dos portugueses recebe hoje pensões de montante superior ao que capitalizou com o seu trabalho - com especial «recompensa» na Caixa Geral de Aposentações - quem está a financiar este «bónus round»? Justificam-se os beneficiários actuais do sistema: chamam-lhe «solidariedade». Eu chamava-lhe outra coisa. Mas limito-me a recomendar: desconfiem de quem a pratica em benefício próprio...

Inúmeros exemplos podiam ser enunciados, que por economia blogosférica me escuso de apresentar.

Toca a acordar!

Rodrigo Adão da Fonseca