Programa «O Eixo do Mal», SIC Notícias.
Uma velhota do bairro de Aldoar insulta em estado de histeria Rui Rio, aparentemente porque ele «despejou» a sua mãe de 77 anos, inquilina da Câmara. Rui Rio reage com enorme fair play, e sem recuar segue o seu caminho. Correndo riscos.
Assisto estupefacto à forma convicta e conhecedora como Daniel Oliveira comenta os acontecimentos ocorridos em Aldoar. Diz o ex-Barnabé que Rui Rio é um «populista sofisticado», que procura o confronto, «de uma forma perigosa», ao deliberadamente fazer campanha nos locais do Porto onde, alegadamente, «é mais detestado». O que DO diz nem sequer é inédito, pois limitou-se a debitar a mesma «cassete» que ao longo da semana foi sendo difundida por alguns media, profundos conhecedores da realidade da cidade e dos seus bairros sociais, e certamente mais credíveis que o Blasfémias.
A minha forma de ver a questão é, contudo, distinta. É sabido que não sou grande adepto de Rui Rio, já aqui neste blogue o manifestei; RR anda longe de ser o meu role model. Mas num esforço que tenho feito para ser credível procuro sempre analisar os factos sem estar limitado por palas ideológicas e preconceitos que retirem aos meus textos a devida correspondência com o real. Porque há uma diferença colossal entre a divergência de opinião e uma injusta análise da realidade.
A casa dos meus pais, onde vivi durante vinte anos, e que continua a ser o centro da minha vida, atravessa duas freguesias, Ramalde e Aldoar. Comecei por viver em Ramalde; com o casamento da minha irmã mais velha, mudei para o quarto da frente da casa, situado em Aldoar.
Nos bairros mais problemáticos de Ramalde e Aldoar conheci diversas pessoas, à época adolescentes como eu, analfabetas, que não sabiam ler uma só frase, pese embora tivessem concluído a escolaridade obrigatória. Algumas viviam em casas camarárias sem quaisquer condições, dormindo no chão, por vezes famílias de seis, sete pessoas, onde não caberiam mais do que duas ou três, pais, filhos, avós. Estes são bairros marcados pela droga, pela pequena criminalidade, em que o espaço público está tomado pela insegurança; a par desta decadência, várias famílias pobres, contudo, procuram manter uma vida digna, no fio da navalha, sabendo que os seus filhos, a qualquer momento, podem cair no abismo.
As redes de narcotráfico portuense utilizam menores, idosos, cegos. Pessoas que, à partida, seriam insuspeitas. Muito do negócio da droga é feito a partir de casas camarárias, deixadas cair na total ruína, onde o cheiro nauseabundo, à entrada do prédio, é utilizado como fachada. A polícia só actua nestas zonas em bloco.
Rui Rio teve, na sua actuação autárquica, alguns aspectos criticáveis. Mas se há área que não negligenciou foi a da Habitação Social, procurando devolver a dignidade e a segurança a estes espaços que são de todos, e que a Gestão Autárquica de Fernando Gomes e Nuno Cardoso ignoraram, seduzidos pela oportunidade que o poder político lhes deu de passarem a pertencer à nouveau richesse da cidade. Os seus sucessores, Francisco Assis e Teixeira Lopes preferem dialogar com o povo no Mercado do Bolhão, bem longe dos bairros. Rui Sá, esse sim, merece bem palavras de elogio, pois teve um papel importante, na área do ambiente, na requalificação de muitos desses bairros. No Porto, aliás, quem for de esquerda nem deve hesitar, votando CDU: Assis - candidato com quem simpatizo, até - no seu íntimo não quer ser Presidente da Câmara, bastou-se com o afastamento de Nuno Cardoso; Teixeira Lopes é um vazio de ideias, que pratica um discurso redondo e sem qualquer conteúdo político, totalmente desligado da realidade da cidade.
Dizer que Rui Rio não é querido nos bairros sociais do Porto é desconhecer totalmente a divisão do voto neste concelho: Rio ganhou as eleições com o apoio da população mais pobre da cidade, sobretudo a que reside nos bairros sociais, e prepara-se para ganhar, novamente, apesar da oposição que uma certa elite aburguesada da cidade lhe move.
Uma boa parte dos media ensaiaram esta semana a famosa rábula do Presidente populista que oprime o povo, representado pela senhora em estado de choque. Do que conheço, a realidade de Aldoar apresenta uma complexidade que não se compadece com as sentenças simplistas que foram sendo divulgadas por quem tem o dever de informar. Certamente, conhecem Aldoar melhor do que eu e do que uma boa parte dos portuenses que aí habitam ou que por alguma razão se cruzam com os problemas dos bairros sociais do Porto.
Rodrigo Adão da Fonseca