10.10.05

ILAÇÕES AUTÁRCICAS

1. Os portugueses não gostam, ou melhor, definitivamente abominam os governos que elegem.
Em 2002 mandaram para casa um governo eleito dois anos antes, que tinha por si metade da Assembleia da República.
Há seis meses atrás deram uma maioria absoluta a Sócrates em reacção às aselhices da maioria de direita, com pouco mais de dois anos de vida.
Ontem, disseram a um Primeiro-Ministro com seis meses de exercício de funções, que também já perderam a pachorra para o seu governo.
A culpa não é, obviamente dos portugueses, mas dos políticos que na oposição lhes vendem ilusões. Os portugueses vivem mal, cada vez pior se comparados com os seus parceiros europeus, e estão fartos disso. Aguardam, ansiosamente, quem os retire da «cauda da Europa», reiterada proposta de todos os políticos e de todos os governos, desde há vinte anos atrás.
2. O sistema eleitoral confinou-se definitivamente a três partidos: o PSD, o PS e o PCP. O CDS desistiu de ser um partido com vida própria, militantes activos e sedes abertas, limitando-se ao estatuto de marca política, eventualmente útil a eventuais associações autárquicas e governativas com o PSD. Potencia o efeito de bloco, de aggiornamento da direita, mas, com excepção de Lisboa e Porto, tem existência fictícia e residual.
O Bloco de Esquerda sucumbiu à sua real dimensão, que não ultrapassa alguns núcleos académicos citadinos. Se saiu disto nas últimas eleições legislativas e conseguiu ultrapassar a sua própria realidade, foi por causa da falência da direita, que permitiu a migração de votos em rodos para a esquerda, ao ponto de sustentar o Bloco e o PC em posições iguais. Refeito o equilíbrio do sistema, o PCP mantém-se, como partido histórico que é, com implantação social real, e o Bloco regressa ao getho eleitoral a que pertence.
3. Uma boa leitura destes dados deveria levar à reforma do sistema eleitoral, definitivamente para círculos uninominais. Em duas voltas, admita-se, para dar espaço negocial aos pequenos partidos. Mas já não há que ter receios ilusórios sobre a diluição de partidos que, de facto, já não existem. Quanto ao perigo da emergência de caciques locais, velho argumento para impedir a reforma, ele existe também no sistema actual, como ficou comprovado com os resultados de ontem.