Precisamente há uma semana, segunda-feira, dia 3, Bill O'Reilly, o jornalista mais influente e popular no mundo mediático da direita conservadora norte-americana, no O'Reilly Factor, desassombradamente, declarou: «Irak is a mess!».
No tom acutilante que lhe conquistou enormes audiências na Fox News e na rádio, O'Reilly reconheceu que sempre tinha patrocinado a intervenção e as opções de Bush «but there is a limit», esclareceu. E no Iraque, assegurou, parece não haver estratégia, a guerra ao terrorismo não está a dar resultado e os soldados morrem todos os dias sem que o povo americano «understand why». Para O'Reilly o prazo máximo desta intervenção não poderá ultrapassar o próximo ano e meio - depois disso, os iraquianos e o seu governo «must defend themselves» quer sejam capazes de o fazer ou não. Mas, seja como for, após esse período, para Bill O'Reilly, o povo americano não pode continuar a passar sacrifícios à custa do Iraque.
O'Reilly foi ainda mais longe: no mesmo programa, conversando com o conhecido comentador do partido democrata, Dick Morris - autor de um recentíssimo livro em que faz o prognóstico do combate eleitoral de 2008, (Condy vs. Hillary, The Next Great Presidential Race) -, acusou a actual administração de «lack of leadership» e acrescentou que Bush está mergulhado nos seus próprios erros sem conseguir libertar-se de nenhum deles. Bush parece um líder cansado, «exhausted», concluiu O'Reilly.
Estas não são críticas isoladas nos conservadores habitualmente apoiantes da actual administração americana. A sombra do Vietname deixou de ser um slogan da esquerda para passar a ser uma analogia cada vez mais acenada do lado republicano. A hipótese de que a crescente impopularidade desta guerra possa pôr em perigo a continuidade da agenda interna republicana é um receio que os principais comentadores políticos conservadores já não se preocupam em esconder.
Também é muito difícil de esquecer a imagem trágico-cómica de George W. Bush a dar uma pancada nas costas do seu velho amigo Brown (a quem tinha elevado a director da agência federal FEMA) perante o patente cenário de desgraça
Seguiu-se a escolha da senhora Miers, a advogada pessoal de Bush, para juíza do Supremo Tribunal Federal. De William Kristol («esta escolha fez-me sentir desapontado, deprimido e desmoralizado»), a Ann Coulter, passando por um sem número de senadores e dirigentes republicanos e conservadores de todas as origens e tendências, a desilusão foi a palavra de ordem: «parece que foi escolher alguém ao fundo do corredor», ouviu-se. Na verdade, a posição mais poderosa e influente de todo o sistema judicial norte-americano foi oferecida a alguém cujo ponto curricular mais relevante é rezar regularmente com o presidente Bush. Do lado conservador, para além do inenarrável Pat Robertson que elogiou profusamente a indigitação da sua paroquiana, poucos levantaram a voz para defender a escolha de Bush. Kristol continua a apelar publicamente a Miers que desista da nomeação por vontade própria para, assim, evitar mais um erro desta presidência
Os democratas, por seu turno, parecem satisfeitos com a nomeação da advogada texana e, mais ainda, com o motim que esta está a provocar no lado conservador; também não escondem a sua presunção de que esta celibatária "born-again christian" não terá categoria para sustentar uma posição própria, contrária ao mainstream do Tribunal.
De facto, este segundo mandato de George W. Bush não está a correr nada bem. Na próxima semana Carl Rove irá enfrentar um Grand Jury pela quarta vez. O todo-poderoso angariador de fundos e líder do partido no Congresso, Tom Delay, foi acusado de violar a lei do financiamento partidário por duas vezes e por dois Grand Juries diferentes e teve de suspender as suas funções. Outros conselheiros do presidente esperam "indictments" nos próximos tempos. O aumento dos preços dos combustíveis e, genericamente, do custo de vida estão a causar um considerável descontentamento popular. Até mesmo o próximo julgamento de Sadham Hussein está a levantar preocupações - alguns levantam a possibilidade de estar a ser oferecida ao ex-ditador uma tribuna internacional que se pode arrastar indefinidamente (tal como sucede no julgamento de Milosevic) e complicar, mais ainda, a posição dos americanos no ninho de vespas que é o Iraque.
O único consolo dos republicanos parece ser o desconcerto também imperante no campo democrata - Hillary é tudo menos consensual (para além de estar colada à intervenção no Iraque), Dean só entusiasma a facção mais radical dos lefties e os dirigentes negros da praxe são do pior que se pode imaginar. A coisa chegou a um ponto que até Kerry já pensa em avançar novamente.
Mas seja quais forem os protagonistas políticos, o Iraque, ou melhor, encontrar o modo menos penoso de largar aquela batata escaldante, será a pedra de toque de toda a política americana nos próximos anos. Tal como Johnson, atolado no Vietname em 1967, Bush, atascado no Iraque em 2005, não terá outro mandato - mas tudo indica que o Iraque poderá continuar a paralisar quem quiser ser seu o seu sucessor. A melhor ou pior gestão da crise iraquiana será aquilo que poderá levar novamente a esquerda ao poder (provavelmente a sua face mais utópica e irresponsável) ou fazer brotar novas soluções do lado republicano - preferencialmente (digo eu), aquelas que deixem ficar os horripilantes aspectos do fanatismo religioso pré-moderno à porta da Casa Branca.