Versão encurtada de texto publicado no "Domingo Liberal", 16 Jan 2005.
Conhecido como o poeta agricultor, Hesíodo expõe, na sua obra "Os trabalhos e os dias" o seu pensamento relativamente à importância dos vizinhos: "Um mau vizinho é tanto uma praga quanto um bom vizinho é uma grande dádiva; aquele que tem um bom vizinho tem uma preciosidade". Na verdade, o notável trabalho de Hesíodo apresenta alguns conceitos intemporais, gerados, antes de mais, com toda a probabilidade, meramente pelo bom senso.
Vem esta consideração a propósito do processo de negociações entre a União Europeia (UE) e a Turquia, com vista à eventual adesão desta última ao espaço europeu. O bom senso, aplicado a este caso, ditaria que se preferisse um bom a um mau vizinho. O bom vizinho, neste caso concreto, é um país integrado, uma vez que, pelo menos até à presente data, não houve ainda qualquer conflito militar entre países da União. Ora, é sabido que os Turcos estiveram, alguns séculos atrás, às portas de Viena.
A eventual integração da Turquia viria a colocar, evidentemente, as fronteiras da UE em território já francamente asiático, embora deva reconhecer-se que tais novas fronteiras seriam significativamente mais instáveis do que as actuais. Em súmula, as fronteiras passariam a ser mais instáveis mas mais longínquas, referindo-se esta última palavra à distância relativamente ao centro político da União. É provável que, pelo menos nos tempos mais próximos, as fronteiras da União sejam, por norma, dotadas de algum grau de instabilidade. A escolha, em certa medida, é entre fronteiras com maior estabilidade, mais perto, ou maior instabilidade, mais longe.
A integração da Turquia, contudo, exigirá que se encontrem reunidas certas condições, tanto por parte da mesma, quer por parte da União. De facto, e ao contrário do que se poderia pensar, não é apenas a Turquia que tem que mudar: também a União deve mudar para o efeito atrás referido. Não foi, na realidade, apenas o alargamento a leste, concretizado em 2004, que motivou uma necessidade de mudança por parte da União. Foi, mais do que isso, a perspectiva da adesão da Turquia, uma adesão cuja recusa não seria, conforme atrás referido, de bom senso.
As mudanças, a nível da UE, devem ser feitas o mais rapidamente possível, uma vez que, como disse um outro cultor do bom senso, B. Franklin, "Lost time is never found again" mas não necessariamente a correr. As alterações na estrutura da UE, a terem lugar previamente à entrada da Turquia, podem tomar diferentes rumos, o que permite concluir que, antes de mais, é necessário saber em que sentido é que a União vai evoluir.
Quanto à própria Turquia, será difícil que a adesão se venha a verificar antes de se encontrarem resolvidos alguns problemas, com destaque para Chipre e para a situação da área habitada predominantemente por curdos. Muito mais importante do que isso, contudo, será a demonstração de adesão aos princípios da civilização europeia.
Deverá a construção europeia seguir os passos propostos por Hesíodo e procurar usar de bom senso? Colocando a questão em outros termos, deverá a Europa ser entendida em função da geografia, ou da vontade, demonstrada por qualquer país candidato a entrar na União, em assumir determinados princípios de civilização? Será, ainda, verdade, conforme nos deu conta Tucídides, que "Os homens são a cidade, não as paredes e os barcos sem os homens"?
José Pedro Lopes Nunes
Conhecido como o poeta agricultor, Hesíodo expõe, na sua obra "Os trabalhos e os dias" o seu pensamento relativamente à importância dos vizinhos: "Um mau vizinho é tanto uma praga quanto um bom vizinho é uma grande dádiva; aquele que tem um bom vizinho tem uma preciosidade". Na verdade, o notável trabalho de Hesíodo apresenta alguns conceitos intemporais, gerados, antes de mais, com toda a probabilidade, meramente pelo bom senso.
Vem esta consideração a propósito do processo de negociações entre a União Europeia (UE) e a Turquia, com vista à eventual adesão desta última ao espaço europeu. O bom senso, aplicado a este caso, ditaria que se preferisse um bom a um mau vizinho. O bom vizinho, neste caso concreto, é um país integrado, uma vez que, pelo menos até à presente data, não houve ainda qualquer conflito militar entre países da União. Ora, é sabido que os Turcos estiveram, alguns séculos atrás, às portas de Viena.
A eventual integração da Turquia viria a colocar, evidentemente, as fronteiras da UE em território já francamente asiático, embora deva reconhecer-se que tais novas fronteiras seriam significativamente mais instáveis do que as actuais. Em súmula, as fronteiras passariam a ser mais instáveis mas mais longínquas, referindo-se esta última palavra à distância relativamente ao centro político da União. É provável que, pelo menos nos tempos mais próximos, as fronteiras da União sejam, por norma, dotadas de algum grau de instabilidade. A escolha, em certa medida, é entre fronteiras com maior estabilidade, mais perto, ou maior instabilidade, mais longe.
A integração da Turquia, contudo, exigirá que se encontrem reunidas certas condições, tanto por parte da mesma, quer por parte da União. De facto, e ao contrário do que se poderia pensar, não é apenas a Turquia que tem que mudar: também a União deve mudar para o efeito atrás referido. Não foi, na realidade, apenas o alargamento a leste, concretizado em 2004, que motivou uma necessidade de mudança por parte da União. Foi, mais do que isso, a perspectiva da adesão da Turquia, uma adesão cuja recusa não seria, conforme atrás referido, de bom senso.
As mudanças, a nível da UE, devem ser feitas o mais rapidamente possível, uma vez que, como disse um outro cultor do bom senso, B. Franklin, "Lost time is never found again" mas não necessariamente a correr. As alterações na estrutura da UE, a terem lugar previamente à entrada da Turquia, podem tomar diferentes rumos, o que permite concluir que, antes de mais, é necessário saber em que sentido é que a União vai evoluir.
Quanto à própria Turquia, será difícil que a adesão se venha a verificar antes de se encontrarem resolvidos alguns problemas, com destaque para Chipre e para a situação da área habitada predominantemente por curdos. Muito mais importante do que isso, contudo, será a demonstração de adesão aos princípios da civilização europeia.
Deverá a construção europeia seguir os passos propostos por Hesíodo e procurar usar de bom senso? Colocando a questão em outros termos, deverá a Europa ser entendida em função da geografia, ou da vontade, demonstrada por qualquer país candidato a entrar na União, em assumir determinados princípios de civilização? Será, ainda, verdade, conforme nos deu conta Tucídides, que "Os homens são a cidade, não as paredes e os barcos sem os homens"?
José Pedro Lopes Nunes