Conversa fictícia entre Pai e Filho ontem à noite:
Joãozinho: Pai, olha o nosso PM numa tenda beduína a confraternizar com o conhecido mandante de um dos mais terríveis actos terroristas de que há memória (o desastre de Lockerbie)!
Pai: Shiu, os tipos têm petróleo, e gás natural, e cimento, e compram armas; JS está a abrir caminho às empresas portuguesas!
Joãozinho: Mas pai, isso não é «Imperialismo»?
Pai: Naaa, é «Diplomacia Económica». Imperialismo é só o americano. Portugal não explora, colabora diplomaticamente com países irmãos. Como disse JS, Portugal sempre teve excelentes relações com a Líbia.
Joãozinho: E aquele senhor no cantinho da imagem quem é, um dos irmãos do Kadhaffi?
Pai: Não, é o Ministro das Obras Públicas.
Joãozinho: O Estado Português vai construir na Líbia?!
Pai: Não percebes nada, pá, o senhor representa o sector da construção que quer construir na Líbia.
Joãozinho: E o Sr. Pinho, quem representa?
Pai: Representa as empresas com interesses na Energia. E o Ministro da Defesa, o sector empresarial militar português. A Líbia compra bastantes armas no mundo inteiro; aliás, parece que vai utilizar as OGMA's para fazer a manutenção de alguns aviões.
Joãozinho: Aqueles rapazes e raparigas que andam sempre de bombo na rua e partem as montras e levam com jactos de água e gás lacrimogéneo e os senhores que normalmente teorizam coisas contra os homens maus e que trabalham contigo lá no jornal não deveriam indignar-se com esta atitude imperialista e com este convívio público com terroristas? (sem vírgulas para que se possa perder o fôlego)
Pai: Cala-te, não percebes nada. Todos os países fazem isso. As empresas desenvolvem-se, pagam cá impostos; com esse dinheiro, o Estado pode pagar aos funcionários públicos como a mãe, apoia ONG?s onde os amigos do pai e da mãe se dedicam a combater o verdadeiro Imperialismo; ficamos todos contentes: as empresas internacionalizam-se, as ONG's fazem barulho, o Estado recebe dinheiro de impostos, e a mãe vai buscar-te à Escola. Cada um cumpre a sua função neste mundo.
Joãozinho: Portugal vende armamento à Líbia?
Pai: Não, filho, não. E os aviões que vão à revisão nas OGMA são comerciais.
Joãozinho: Eles alugam aviões militares? Fixe! E Portugal vende armas? E nos tais outros países estes raids diplomáticos costumam ser notícia de abertura nos telejornais? E vai lá o Primeiro-Ministro com a pandilha completa? O Chirac já foi à Líbia? E o Blair?
Pai: Tu cansas-me com tantas perguntas, filho. O governo não foi todo. Olha, o Ministro Alberto Costa ficou cá a discutir com aquele senhor engraçado da Ordem dos Advogados que passa o programa a fazer trocadalhos do carilho (versão censurada) politicamente correctos, do tipo que o céu também está cheio de boas intenções, e com outros senhores sindicalistas. Um dia mais tarde, quando fores grande, vais perceber.
Joãozinho: Pai, mas aquele senhor não é sindicalista. É o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Pai: Já para o teu quarto, que não te consigo ouvir.
(dez minutos depois)
Joãozinho: Pai, quando quiseres ver esse programa da TVI sobre sexo, onde um senhor decide fazer terapia com o país inteiro e diz que a mulher não consegue ter orgasmos, não me mandes para o quarto, tá? Castigo era ter de ficar aqui contigo a ver essa pornochachada.
Rodrigo Adão da Fonseca
PS: A diplomacia económica é essencial. A actividade empresarial não deve, obviamente, ser condicionada por constrangimentos políticos, sobretudo depois do mea culpa da Líbia; um bom relacionamento com os países do Magreb deve ser considerado estratégico para Portugal, não apenas por motivos de índole económica e empresarial mas também por razões de segurança interna e imigração. Agora, não deixa de ser anedótico o silêncio sepulcral ao nível do mainstream que rodeou esta visita. Tudo isto tem o condão de nos mostrar que nos sectores habitualmente barulhentos da sociedade portuguesa não há espaço para a coerência. A Utopia cede ao Realismo? Será que o Idealismo acaba onde o Sectarismo começa? A semântica do terrorismo é, de facto, ampla, e com configurações difusas. Fica o desconforto do pobre pai que, privado do Sr.ª D. Lady, foi incapaz de resistir ao zapping ideológico ...