Em processo de querela com o n.º 41/33, da comarca do Marco de Canaveses, iniciado em 27 de Fevereiro de 1933, julgaram-se quatro indivíduos por co-autoria do crime de homicídio voluntário. Foram condenados, por acórdão de 30 de Maio de 1934 do Tribunal Colectivo daquela Comarca, na pena de 6 anos de prisão maior celular, seguida de degredo por 10, ou alternativa fixa de degredo por 20 anos, em possessão de 1ª classe. Mais se condenaram a pagar a indemnização de 6.000$00 aos filhos da vítima, Arminda de Jesus. A pena foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Maio de 1934.
Motivação: um cunhado amigo da vítima e várias outras pessoas juntaram-se em casa de uma mulher possuída por duas almas, uma boa e outra má, como sapientemente diagnosticara uma mulher de virtude de Vila Nova de Gaia. O referido cunhado da vítima havia beneficiado, pouco antes, de dois empréstimos concedidos por esta, um de 100$00 e outro de 90$00, sem juros e sem prazo de pagamento, não tendo ainda sido devolvido o dinheiro aquando dos acontecimentos ocorridos na noite de Sábado, 25, para 26 daquele mês de Fevereiro. Propuseram-se aqueles orar, com base no Livro de S. Cipriano, comprado, pouco tempo antes, em Penafiel, por 17 mil reis. Já haviam feito o mesmo na noite anterior, para esconjuro da alma má. Em certa altura, a possuída disse para um casal circunstante se deitar no chão, se acaso pretendiam salvar-se, o que eles fizeram. Chegando, nesse momento, a vítima Arminda também se deitou, começando esta, desde logo, em altos gritos, de mãos erguidas para o ar e a bater palmas, dizendo logo a possessa para a porem na rua e lhe baterem, pois, obviamente, trazia o diabo dentro dela. Foi prontamente obedecida e agredida à paulada e sacholada. Como, apesar disso, se não calava, mesmo já com ossos quebrados, a mesma instigadora mandou que a queimassem. Juntaram, então, caruma de pinheiro e deitam-lhe persistentemente o fogo, acabando este por pegar com a utilização de um isqueiro. À medida que a caruma ardia e a vítima esturrava, os circunstantes foram ajeitando, com diligente cuidado, o combustível. Consumada a queima, perante o estático torresmo, retiraram-se para casa da mandante, recolhidos em esperançosa oração, até alta madrugada, para que a vítima ressuscitasse (sancta simplicitas!). Como tal não se verificou, certamente já inquietos, os algozes foram para suas casas onde se mantiveram até que foram presos.
O drama foi objecto de um filme e de uma peça teatral, "O Crime da aldeia Velha", esta da autoria de Bernardo Santareno.
Porto, 2.02.1999.
Pereira da Graça.
16.11.05
O Crime da Aldeia Velha
Processos Históricos: Processo de Soalhães (Marco de Canaveses)