11.11.05

«Parlamentarização do Regime» - II - Mário Soares ou o «eclipse Presidencial»


Na discussão do OGE no Parlamento, ontem, José Sócrates apresentou-se com uma veste de «Estatista», no mau sentido do termo, «senhor» da «sua» maioria absoluta, fazendo uso de expedientes retóricos e de uma manifesta arrogância nas respostas à oposição, impondo-se com «piadinhas», trocadilhos e «sorrisinhos» pouco apropriados para quem gere um país à deriva. José Sócrates está no início da sua governação e já apresenta um autismo e uma sobranceria que importa registar.

José Sócrates pediu uma maioria absoluta para, disse-o diversas vezes, «servir os portugueses». E que, na boa tradição da esquerda, podiam os cidadãos estar seguros que ele não usaria essa maioria para impor um défice no debate. O resultado está à vista.

Ora, nesta linha, constato com curiosidade que este estilo agrada aos apoiantes - pelo menos, a alguns dos mais destacados - de Mário Soares. Interessante o comentário eufórico hoje, de Medeiros Ferreira, no blog Bichos Carpinteiros:

Quem esteve atento ao debate na AR sobre o OE deu-se conta do K.O. técnico aplicado por Sócrates a Marques Mendes logo no primeiro round. Até a conversão de 350 euros em escudos correu mal ao presidente do PSD. Calculo o mal-estar de Cavaco Silva que ainda há dias o recebeu numa sala esterilizada com produtos anti-partidários. Continua em circulação a má moeda lá para os lados do PSD. Afinal Santana Lopes não era caso único, pensará o candidato presidencial. Mas haverá boa moeda cavaquista para além da Manuela Ferreira Leite, na rua de Buenos Aires? Mesmo que seja só para concorrer às próximas autárquicas ...

De facto, José Sócrates ontem no Parlamento mais parecia um boxeur do que o Primeiro-Ministro de Portugal. E Medeiros Ferreira, um dos principais apoiantes e estrategas da candidatura de Mário Soares, regozija-se com esse facto.

A conclusão que se retira é óbvia: num momento em que o poder está todo ele concentrado em redor de José Sócrates e de uma facção muito específica do Partido Socialista, num eixo que inclui uma maioria absoluta no Parlamento, o controlo do Tribunal de Contas, do Banco de Portugal e de um conjunto de empresas públicas onde o critério de nomeação tem sido político e não empresarial, parece-me óbvio que, mais do que nunca, é necessário que os cidadãos elejam um Presidente da República que assuma a plenitude das suas responsabilidades.E não um mero ouvidor.

Importa não esquecer que o semi-presidencialismo à portuguesa, na sua origem, foi criado sobretudo para evitar derivas parlamentaristas do regime. Ora, lendo o que escreve Medeiros Ferreira, satisfeito e num certo tom de deboche, enaltecendo José Sócrates, e criticando com piadinhas a oposição, compreendemos porque é que a Corte Socialista foi recuperar Mário Soares para chefiar esta campanha, quando ele já tinha passado à reserva: com Mário Soares na cadeira da Presidência, os socialistas poderão concretizar a parlamentarização do regime, a Santíssima Trindade «Uma Maioria, Um Governo, Um Presidente».

O Presidente da República pode ter um importante papel na moderação dos desvios de poder que a maioria socialista já manifesta. O Estado de Direito necessita de checks and balances. E, neste momento, no actual quadro político e numa sociedade em crise, para poder contrabalançar o excesso de poder concentrado num dos pratos da balança, Portugal precisa de um Presidente que seja um peso-pesado, alguém que esteja disposto a exercer na sua plenitude os poderes que a Constituição lhe concede e as obrigações que derivam do cargo.

Rodrigo Adão da Fonseca