Texto publicado hoje, na Dia D.
Em Portugal, como em quase toda a Europa, a construção do "modelo social" traduziu-se sempre em acréscimos da intervenção do estado na economia. A golpes de orçamento, os governos legítimos arrestaram fatias cada vez maiores da riqueza disponibilizada pelos cidadãos e empresas e, unilateralmente, assinaram contratos de futuros com a sociedade, garantindo aos eleitores do momento aquilo que ainda não sabiam se os seus filhos iriam produzir.
Hoje, até a aritmética mais simples já é suficiente para demonstrar a inviabilidade de alguns excessos prometidos e os membros do clube do estado sentem-se enganados e protestam, com toda a razão. Infelizmente, alguém lhes garantiu que teriam direito ao impossível.###
Desde o abandono de Guterres, após um inevitável choque com a realidade, todos os governos se têm empenhado em meritórias tentativas de domar a incontrolável despesa pública, por entre manifestações diárias de descontentamento de vários grupos com honra, carteira e direitos beliscados. Inglória é a tarefa e parcos os resultados. O poder da inércia do rolo compressor do estado social é incomparavelmente mais forte que a vontade proclamada de qualquer governo eleito por períodos de 4 anos. As proclamadas intenções de mudança, apesar do incómodo que causam nos grupos atingidos, pouco mais fazem do que mexer na primeira ou segunda casa decimal do consternado défice.
Apesar da irrelevância macroeconómica da maior parte das medidas anunciadas, a mínima atitude de contenção dos exageros é suficiente para deixar os afectados em estado de histeria. Imagine-se o que não aconteceria se o governo tivesse coragem para cortar a sério, transformar défices em superávits, diminuir a dívida pública, dotar o sistema fiscal de competitividade internacional e criar condições para deixar Portugal enriquecer.
Poderá um governo combater em simultâneo autarcas, polícias, militares, enfermeiros, médicos, advogados, juízes, doutores, professores, estudantes, reformados, sindicalistas, funcionários públicos de todos os géneros, autarcas, empresários, artistas, intelectuais e outros subsidiados, grupos que ocupariam todos os horários nobres de todos os telejornais com violentos lamentos em defesa do seu status quo de curto prazo, com todas as razões de queixa e absolutamente convencidos da inviabilidade da sua profissão sem o manto protector do contribuinte? Até onde vai a coragem do político que sabe que vai perder os votos das maiorias incomodadas?
Para mal dos nossos netos, as maiorias estão do lado errado do futuro.
Reconheça-se que há alternativas. A primeira é óbvia, a opção voluntária pela segunda divisão. Aceite-se a nossa evidente e demonstrada incompetência para gerir um orçamento equilibrado e recupere-se o instrumento monetário, abandonando o Euro. Desvalorize-se a moeda e renovem-se os ajustes do início da década de 80, com ou sem FMI. Os custos financeiros disparam, as famílias sentem na carteira o menor poder de compra, perdem-se mercados. As falências, a inflação e o desemprego encarregar-se-ão de repor muitos salários a níveis consistentes com a nossa realidade económica. Com sorte, depois do choque e de competitividade recuperada poderemos estar ao nível da Hungria, da Polónia ou da Roménia e recomeçar a senda do crescimento a partir daí.
A outra alternativa é não fazer nada. Desiste-se de lutar contra todos os interesses instalados, cedem-se às pressões do clube do estado e aceita-se a modorra do empobrecimento continuado. Continuamos como até aqui, com governos incapazes de ajustar a sua dimensão às capacidades do país, suportando os défices com sistemáticos aumentos de impostos. O país empobrece, o clima deteriora-se, os governos não duram, os ministros são descartáveis, os extremismos ganham espaço e a entropia instala-se. Os nossos bisavôs ainda se lembram de tempos assim e sabem bem como acabaram os dias da confusão. Foi em 28 de Maio de 1926.