26.6.06

A MINHA CRÓNICA DA ALEMANHA

Os afazeres da profissão trouxeram-me à Alemanha em pleno Mundial. Ontem ao fim da tarde, pouco antes do jogo comecar, procurei um bar onde pudesse ver o jogo com alguma comodidade. Estava só, no meio de alguns alemães que pareciam ter acompanhado o Domingo a entornar cervejas em homenagem ao seu jogo de Sábado. Mal se entoaram os hinos verifiquei, espantado, que a maioria dos teutões presentes manifestava simpatias claras pelos holandesas. Ou seriam antipatias mal disfarcadas pelos portugueses...
Comecei a sentir crescer em mim um princípio de animosidade para com o contexto ambiental em que me encontrava. Sem que isso fosse premeditado, esse sentimento estava em directa relacão com o apoio que me vi instintivamente forcado a dar à equipa de Scolari à medida que aquela batalha campal se ia desenrolando. ###
Mas o meu lado racional n~ao me deixou esquecer aquilo que já sabia e voltei a ver os mesmíssimos erros tácticos dos outros encontros: Pauleta a vaguear triste e só no meio dos defesas adversários; Costinha a fazer faltas típicas de quem não tem qualquer ritmo de jogo (o árbitro perdou-lhe a expulsão logo a seguir ao primeiro amarelo aquando duma entrada inacreditável a pés juntos); ninguém a cobrir o segundo poste na marcacão dos cantos (o que é incrível, já que essa falha originou o golo do México); Miguel submergido no seu papel de ponta-direita e a esquecer-se de que é suposto ser defesa.
Mas estava rodeado de alemães. Alguns hostis. E isso provoca em mim uma emocão primária, daquelas que deve estar centrada na parte mais antiga do nosso cérebro. Cedo comecei a invectivar o árbitro e, em estilo de forcado amador, a mandar calar os hunos mais afoitos nos berros contra a equipa de Scolari. Aí, vali-me das minhas velhas experiências de estar na bancada da Luz ou de outro estádio do inimigo. Quando Maniche marcou o golo tive medo que alguém chamasse a polícia, ou pior, para me conterem. Ao intervalo percebi que não tinha agido em vão já que os alemães mais ranhosos abandonaram o local visivelmente indispostos.
Na segunda parte o sr. Ivanov perdeu por completo o controlo do jogo e logo a seguir a cabeca. Dei por mim a sofrer, torcidinho de desespero e a desacreditar de tudo e todos. Em meu socorro surgiram uns búlgaros (?!) que me animaram aos gritos de "Portugal, Portugal". Comovido, paguei-lhes uma rodada de cervejas. Mas eu já não era capaz de engolir nada hipnotizado pelo cronómetro e aterrado pelas oportunidades que os holandeses desperdicavam em catadupa.
Lembrei-me da história de um cerco holandês a Mombaca, julgo que em meados do séc. XVII, em que os portugueses estavam em estado de desespero completo. O comandante, não me recordo do nome, desafiou os holandeses para um combate que resolvesse de vez a questão. Mas teria de ser uma peleja em que cada português defrontasse pelo menos dois holandeses, pois, garantiu, "é por todos consabido que cada português vale o dobro de um holandês".
Quando o jogo terminou estava extenuado - já não corria tanto há muito tempo. Efusivamente cumprimentado por todos, abracei os búlgaros e caminhei para o hotel sem conseguir deixar de pensar que no próximo Sábado, sem Deco, sem Costinha e, se calhar, sem Cristiano Ronaldo, que falta enorme nos fará o Ricardo Quaresma. Scolari tem tanto de estupidamente obstinado como de técnico bafejado por uma sorte indizível. O que também é uma virtude no futebol e na vida...