11.3.05

PORQUE NÃO DEVEM OS LIBERAIS FORMAR PARTIDOS "LIBERAIS"

Alguns leitores atentos do Blasfémias manifestaram a sua estranheza pelo facto dos liberais, "abundantes na blogosfera", não constituirem um partido para se "submeterem a votos".
A ideia, embora engraçada, padece da deformação própria de quem não sabe viver fora do jogo político dos partidos, da adrenalina das eleições (ainda que disputadas a feijões), enfim, de quem não é capaz de largar o "vício", por mais que o eleitorado os tente ajudar.
De todo o modo, e uma vez posta a questão, tentarei explicar porque razão não devem os liberais formar partidos ditos "liberais".
Em primeiro lugar, porque o liberalismo não deve qualificar-se como uma ideologia, menos ainda como uma ideologia que se possa definir de esquerda ou de direita. Não é uma ideologia porque não assenta em pressupostos programáticos para a sociedade (pelo contrário, o liberalismo defende a auto-regulação social), e não pode classificar-se à esquerda ou à direita porque em ambas encontra pontos de identidade e de afastamento.
Em segundo lugar, porque os partidos, todos os partidos, são, foram e serão máquinas ao serviço de grupos de pessoas para a conquista e domínio do Estado. Na mais repugnante das hipóteses, ao serviço de uma pessoa. Nas modernas democracias ocidentais, por mais diferenciadas que sejam as propostas partidárias, uma vez no poder as políticas não variam por aí além. Para quem tiver dúvidas, espere pelo desempenho do nóvel governo socialista e compare-o, sem paixão, com o da anterior maioria.
Ora, e este é o terceiro ponto da questão, o que o liberalismo político propõe face ao Estado é rigorosamente o inverso do que aqueles que o dominam fazem quase sempre: reduzir a sua dimensão, limitar os seus poderes, devolver parte substancial das funções que desempenha à sociedade e aos cidadãos.
Por isso, e em quarto lugar, não seria muito sério formar um partido cuja bandeira principal fosse o liberalismo. A simples intenção de constituir um partido revela aspirações de poder, de poder público estadual, pouco saudáveis do ponto de vista liberal. Mais apropriado será um liberal que queira participar na política fazer a sua opção individual perante os partidos do sistema, e, eventualmente, tentar influenciar a orientação desses partidos no sentido dos princípios fundamentais que o liberalismo político defende. Nesse sentido, o liberalismo deve ser mais uma atitude estética e ética peranta a polis e o indivíduo, do que um programa de governo.
Alguns exemplos concretos: nem o Partido Republicano de Reagan, nem o Partido Conservador de Thatcher eram, ou são actualmente, partidos liberais. Contudo, possuem, um e outro, influentes grupos de liberais que levaram recentemente, durante os governos daqueles dois políticos, a decisões que poderíamos qualificar como liberais. Agora veja-se, por exemplo, o que foi a prática dos governos do SPD alemão em que esteve o FDP e talvez se compreenda a diferença.