10.8.05

OS MEUS CHINELOS DE PRAIA (ou a dúvida se seremos todos assim)

O sol dos trópicos picava de tao quente. A sombra era um pedaco de chao mais escuro mas igualmente insuportável. Atordoado larguei o livro e precipitei-me para o mar. Logo fui travado pela dor da areia a escaldar. Calcei os chinelos de praia e caminhei para aquela miragem azul á minha frente. Descalcei os chinelos á beira-mar e mergulhei. A temperatura desceu ao nível normal.

Nisto, ao olhar acidentalmente para o lugar da praia onde tinha deixado os chinelos vi um rapazote a experimentá-los pacatamente. Esperei. O mancebo tinha uma mulher mais velha por perto, certamente a sua mae. Trocaram algumas palavras e os dois comecaram a caminhar em direccao á saída da praia.
Saí do mar tao depressa como tinha entrado. Gritei e o rapaz viu-me e parou. Com o olhar que a situacao merecia apontei-lhe para os chinelos. Atrapalhado, balbuciou:
- Sao seus?! Pensei que eram meus...
A custo contive o meu espanto - no meio de um naipe imenso de nacionalidades o tipo que se aprestava para me gamar os chinelos era... portugues!
Entretanto, a provável mae do delinquente permanecia calada e olhava a cena com uma naturalidade desarmante.
Peguei nos chinelos e lancei-os para o lugar da praia onde tinham estado. O ganapo, já com um sorriso aliviado, atirou-me um bajulador «Sorry».
Sem nada dizer voltei a mergulhar.

Na água tudo ficou mais claro. Tratava-se apenas um jovem portugues, certamente católico e de uma família devota, com todas as comunhoes e crismas da sua praxe educativa, eventualmente simpatizante do Benfica e, obviamente, educado no mais completo desprezo pela verdade material. Teria apenas 15-16 anos mas já tinha assumido a fina flor dos valores da sua cultura: o culto da espertalhonice, o safanco como ideal existencial e o animo para tudo fazer, com a aprovacao dos seus progenitores - desde que nao se saiba ou que se possa disfarcar. Como quase todos nos, alias...

escrito em desespero num teclado estranhíssimo e quase sem acentos