15.11.05

POR UM LIBERALISMO PORTUGUÊS - III

Alguns leitores perguntaram, ao longo dos comentários aos meus últimos «posts», «o que é isso de um liberalismo português?»
Dita assim, a coisa poderia, de facto, recair numa qualquer saloiice de exaltação de hipotéticos valores nacionais, culturais políticos ou outros. Não é, porém, nem isso, nem o seu contrário o que se pretendeu dizer. Vejamos então o que é que pode ser.
Não é o seu contrário, porque não se sugere a manutenção do status corrente em que, desde sempre, os liberais portugueses se mantiveram em Portugal: uma espécie de pregadores no deserto, a falarem uns com os outros, sobre coisas, muitas coisas, que só eles sabem, conhecem e dominam. Até ao crescimento da blogosfera portuguesa, nomeadamente a de cariz liberal, falar em Hayek, Mises ou na Escola Austríaca, tanto poderia ser entendido como uma referência a dois pontas de lança da selecção alemã, como a um instituto politécnico de Viena de segunda apanha.
Mas também não será ter a pretensão de formatar uma ideologia liberal, prêt-â-porter, colocá-la sob um guarda-chuva institucional e divulgá-la como programa para o exercício de poder por um, ou vários, partidos políticos.
O que é certo é que, malgrado as inúmeras dissenções e apesar de pobrezinha, a tradição liberal portuguesa existe há muito tempo: na Segunda Escolástica que passou pelas Universidades de Coimbra e de Évora nos séculos XVI e XVII, nalguns autores dispersos, como Garret e Herculano, nalguns políticos que, parcialmente foram liberais, como Mouzinho da Silveira, no século XIX, em Fernando Pessoa e, mais recentemente, numa geração que tem vindo a pensar o liberalismo na sua forma original e clássica.
Nos dias de hoje, o liberalismo está, de facto, na ordem do dia da discussão política em Portugal. Não repetirei as razões, nem tenho a pretensão de as dominar a todas. Mas, a verdade, é que agora como nunca existem vários clubes liberais, inúmeros blogues liberais, académicos que começam a investigar o liberalismo e a transformar esse conhecimento em teses de mestrado e de doutoramento, políticos a proclamar a necessidade de uma «revolução liberal» e, sobretudo, um país inteiro que já percebeu que o modelo social estadual dos últimos cinquenta anos está esgotado e que é preciso encontrar soluções.
O que fazer, então, perguntaria Lenine? O que, até hoje, não foi feito.
Dar visibilidade a tudo isto, encontrar os pontos de convergência e expurgar o que poderá ser fracturante. Continuar a escrever, a publicar e a falar. Mas, sobretudo, fazê-lo a partir de um princípio básico do liberalismo ? o princípio da cooperação -, procurando respostas para os problemas da sociedade portuguesa e defendê-las junto da opinião pública. É que, das suas muitas facetas, o liberalismo é também um método. Um método que deve ser posto ao serviço dos cidadãos, para que estes possam efectivamente melhorar as suas vidas.
O que se deve pretender, salvo melhor opinião é que todos contribuamos para a criação de um liberalismo que sirva Portugal e os portugueses a resolverem os seus problemas. E que, tanto quanto o possível, aproveite os muitos talentos que têm emergido para que, daqui a uns anos, se possa dizer que do que eles pensaram, escreveram e disseram, que finalmente resultou a existência de uma cultura liberal em Portugal, sabendo-se, com o rigor possível, o que isso possa querer dizer.
Quem, depois, dela quiser tirar partido, se é que ela poderá valer para alguma coisa, que lhe faça bom proveito.