Não tenho para mim que a Felicidade (com maiúscula) seja uma finalidade alcançável pelo género humano. De resto, parece-me que a nossa própria natureza a contradiz e remete para o plano da utopia. Por mim, que já desisti da ideia de vir a ganhar o euromilhões, creio que os homens estão condenados à sua humanidade e, no limite do optimismo, vão vivendo com algumas alegrias circunstanciais e efémeras do dia-a-dia. Comemorar aniversários (sobretudo os meus) há muito que não me enche de júbilo, ir a casamentos é uma violência física e psicológica, confraternizar com o próximo foi sempre um exercício de elevado risco, principalmente em épocas de crise económica em que ninguém sabe quem vai pagar o jantar. Mesmo no nascimento dos meus dois filhos, acto que invariavelmente provoca o delírio alucinogéneo dos progenitores e respectivos familiares, não posso deixar de confessar que a primeira reacção foi de estranheza perante seres tão estranhos e ruidosos, que nos olham com a mais do que justificada reserva e desconfiança.###
Contudo, há ainda dias felizes e hoje tive um desses cada vez mais raros momentos.
Andava eu pelas imediações da Conservatória do Registo Automóvel, a fazer horas a favor da nossa burocracia, quando me toca o telefone e, do outro lado, me dão a notícia: aparecera na Livraria Utopia, um honrado alfarrábio da cidade do Porto, sito à Rua da Regeneração, o livro «O País das Maravilhas», do Vasco Pulido Valente, que eu perseguia, sem exagero e sem sucesso, pelo menos há vinte anos. O livro é uma colecção de crónicas publicadas na imprensa no pós-25 de Abril, e foi editado em 1979. Na minha juventude descuidada e descabelada (característica esta que se agravou com o tempo) o livro passara-me ao largo. Quando, alguns poucos anos mais tarde, dei por ele, já estava esgotado e não se conseguia encontrar em sítio nenhum. Hoje, graças à fantástica Livraria Utopia (nome mais do que apropriado), chegou-me às mãos pela ridícula quantia de ? 20,00. Ainda há dias felizes.