A certa altura do "Diga lá, Excelência", falou-se, julgo que por iniciativa de José Manuel Fernandes, da supostamente desejável concorrência do Estado com os privados na prestação de alguns serviços públicos. Como bom keynesiano, Cadilhe não contestou esse conceito, hoje muito consensualizado e encarado como uma solução quase mágica.###
Para que haja verdadeira concorrência é fundamental que, caeteris paribus, os riscos da actividade e as condições de acesso aos recursos sejam tendencialmente equitativos para todos os intervenientes. Ora, a intervenção do Estado num determinado sector também como produtor ou prestador de serviços, mina por completo aquela equidade com as concomitantes distorsões à concorrência.
Uma empresa do Estado gozará sempre de condições privilegiadas face aos seus concorrentes, seja na contratação de recursos em que é vista pelos fornecedores como de muito menor risco, seja sobretudo no financiamento, onde a desigualdade é mais gritante.
Uma empresa privada, terá de negociar arduamente todos os factores de produção - matérias primas, equipamentos, força de trabalho, financiamento - nos mercados respectivos e pagará tanto mais por eles quanto maior o grau de risco que aqueles lhe atribuirem, sendo este inversamente proporcional ao seu desempenho económico; os recursos que o mercado está disposto a afectar-lhe são limitados, pois a eles concorrem todas as empresas de todos os sectores.
Uma empresa pública beneficia do aval do Estado, o que lhe confere vantagens inultrapassáveis: anula na prática o seu grau de risco tornando-o independente do seu desempenho, garantindo-lhe assim recursos em volume quase ilimitado. Todos os seus fornecedores lhe darão prioridade, na certeza de que a falência jamais rondará por aquelas bandas. Por outro lado, como é o seu patrão quem fixa as regras de jogo, no seu e em todos os outros sectores, irá inevitavelmente criar regulamentação que a favoreça. Na cultura em que se insere, o lucro é encarado como algo pecaminoso e repugnante e portanto a rejeitar, levando ao inevitável estabelecimento dos chamados "preços sociais", cujo efeito perverso é degradar a conta de exploração dos concorrentes e aumentar o respectivo grau de risco.
Preços sociais hoje, significam défices de exploração amanhã. Numa primeira fase, estes serão cobertos com recurso a capitais alheios (endividamento) que nunca escassearão enquanto existir o aval do Estado, mas serão cada vez mais caros para as empresas privadas. Muito esporadicamente, o accionista Estado reforçará os capitais da sua empresa, para o que contribuirão de forma coerciva todos os contribuintes, incluindo os seus concorrentes.