13.6.06

justiça social

A esquerda reclamou sempre o monopólio dos bons sentimentos: da solidariedade, da justiça social, da igualdade e da liberdade. Durante décadas encostou a direita à defesa dos valores contrários e identificou-a com a desigualdade social, a opressão e a tirania, e com o «status quo» responsável pela miséria social e pelas injustiças do mundo. Aos quais, diga-se, a direita se deixou ?mansamente? encostar, levada pelo fascínio dos «grandes» carismas e da sua autoridade, que, invariavelmente, conduziam à autocracia e ao despotismo dos tiranos e tiranetes deste mundo. Durante todo esse tempo, ignorou a ideia de liberdade, à qual preferia o valor da ordem estabelecida pela vontade soberana de quem mandava. E esqueceu, também, a necessidade elementar de segurança e bem-estar que todos os seres humanos perseguem.
A resposta que deu mais distanciada do paradigma autoritário veio, apesar de tudo, da Igreja de Roma e das encíclicas sociais dos seus papas: de Leão XIII e da «Rerum novarum» (1891) à «Quadragesimo anno» (1931), de Pio XI, da «Populorum progressio» (1967) e da «Octagesima adveniens» (1971), de Paulo VI, à «Laborem exercens» (1981), à «Centesimus annus» (1981) e à «Sollicitudo rei socialis» (1987), de João Paulo II. Lidas fora do contexto evangélico, transpostas para o domínio da civitas e do político pela «democracia-cristã» europeia continental, foram fracas respostas, que não passavam de formas macaqueadas de socialismo cozinhado em lume brando, e que contribuíram para manter a mentalidade socialista que a direita gostava de ostentar. Se há já vinte anos eram respostas insuficientes, hoje são completamente inúteis e nocivas pelo prejuízo que lhe provocam.###
A conversão da direita nacional ao liberalismo, que começa a parecer agora uma possibilidade, dá-se por causa da falência evidente do modelo social em que durante décadas a direita tolamente insistiu, já num momento em que a própria esquerda socialista, que está no governo, o está a abandonar. A convicção de que o modelo social estatista consome mais do que produz, e esgota as capacidades individuais e sociais num modelo que se justifica por si mesmo e não pelos fins que diz servir, foi sempre o ponto de partida do pensamento social do liberalismo. Ao contrário do que afirmam os seus detractores, o liberalismo não visa o lucro como fim em si mesmo (ainda que esse possa ser um fim tão legítimo como outro qualquer), mas como meio para a realização pessoal e, em consequência, da própria comunidade. Só numa sociedade onde o esforço individual é compensado, pode haver empenho e trabalho do qual resultem investimento e riqueza. Quando o liberalismo sugere que numa sociedade de livre mercado os recursos se distribuem naturalmente, está a afirmar que o jogo da oferta e da procura é a forma mais justa de fazer chegar a muitos o resultado do esforço produtivo de alguns e, por seu lado, permitir àqueles a possibilidade de também eles progredirem pelo esforço do seu trabalho e dos seus talentos. Nesta perspectiva, a via keynesiana, experimentada exaustivamente à esquerda e à direita, não funciona por muitas e várias razões, mas sobretudo porque, como já foi dito, não distribui convenientemente o que colecta, nem estimula o esforço e a progressão individuais. Logo, empobrece a comunidade, em vez de a enriquecer.
É evidente que sempre fica o problema, essencial, de resto, dos mais pobres, que, graças à justiça social da esquerda e da direita das últimas décadas são, como está à vista de todos, cada vez mais. Mas desiludam-se aqueles que julgam que mesmo um «Estado mínimo» poderá evitá-los. Desde logo, porque qualquer Estado cedo transforma o mínimo em máximo. Depois, porque só a riqueza pode gerar prosperidade e o Estado não gera nem uma coisa nem outra. Por fim, porque os indivíduos e as suas formas de organização podem, com mais facilidade, ser estimulados a criar apoio social directo, sem necessidade da «redistribuição» pública estatal. Esse, bem poderia ser, aliás, um custo a pagar para se transitar do modelo actual para um outro de mercado, que a economia privada não se importaria de pagar. Desde que, obviamente, o Estado se retirasse por completo dos extensos domínios que continua a ocupar, em vez de pretender, como agora, continuar e ampliar o espaço societário que ocupa, exigindo à economia privada que o sustente e, com aquilo que ela não tem, pague ainda a pobreza que ele criou.