22.2.05
A RECONSTRUÇÃO DA DIREITA
O Doutor José Adelino Maltez, um dos mais habilitados académicos e pensadores da direita portuguesa, propôs no seu blogue, Sobre o tempo que passa, um interessante desafio: repensar o espaço político a que pertence, no seguimento da hecatombe do dia 20 de Fevereiro, deixando à margem e de lado, as sempre difíceis questões de filiação e simpatia partidária. Pela parte que me toca, na qualidade de simples cidadão eleitor e observador atento, aqui seguem algumas sugestões.
1. Questão prévia: ao contrário do que alguns analistas e protagonistas políticos, como Vasco Graça Moura, têm vindo a adiantar, o próximo governo de maioria absoluta do PS está aí para durar. Para durar, com mais precisão, quatro anos e meio. Quem espera que o Professor Cavaco Silva, uma vez eleito, se o chegar a ser, dissolva a Assembleia da República, como o fez Jorge Sampaio, ao fim de um ou dois anos da legislatura, está redondamente enganado. Por falta de motivo ? o PS saberá tomar meia dúzia de medidas populares que façam aguentar as expectativas dos cidadãos ? e porque não é da nossa tradição os primeiros mandatos presidenciais serem marcados por conflitos com o governo. A razão é evidente: para assegurar a reeleição, o presidente necessita de 50% dos votos, mais um. Por isso, é bom que os partidos e os dirigentes da direita se vão habituando a ente número ? 4 e ½.
2. Perder as ilusões: só se pode fazer jogo político democrático a sério dentro dos partidos do sistema. Como era mais do que previsível quando se fundou o PND, não existe espaço eleitoral para mais um partido de direita. Uma simples análise do mercado eleitoral (em que os liberais são, em regra, competentes), diria que não há procura suficiente para manter dois partidos de direita com vocação de poder, quanto mais três. Por conseguinte, qualquer intenção de influir politicamente, na III República, à direita, passará sempre pelo PSD e pelo CDS.
3. Abandonar os «carismáticos». Um dos mais irritantes tiques da direita portuguesa é o de aguardar sebasticamente pelo desejado, isto é, por um líder carismático que lhe dê sentido, orientação e poder. Ora, ao longo de trinta anos de democracia, a direita conseguiu produzir três genuínos carismas: Sá Carneiro, Cavaco Silva e, admito que nem todos concordem, Paulo Portas. É muito pouco para tanto tempo e, por outro lado, ficou agora provado, com os resultados do CDS, que não basta ter carisma para ter votos. Por outro lado, ficou igualmente demonstrado, com a estrondosa vitória de José Sócrates, que se podem obter maiorias absolutas esmagadoras sem carismáticos. O que é necessário é pôr-se a jeito, com jeito: saber a quem dirigir o discurso político e elaborá-lo de modo a satisfazer capazmente as expectativas dos «consumidores»-eleitores. Por outras palavras, definir princípios, objectivos e divulgá-los de forma inteligente, com gente credível e qualificada, que possa servir de garantia a quem se dispõem a dar o seu voto, sem ter a certeza de que o mesmo vai ser recompensado.
4. Forçar os partidos de direita a abrirem-se à participação dos cidadãos. Este é, salvo melhor opinião, o grande busílis da direita portuguesa e das suas estruturas partidárias: estão na mão de aparelhos que fecham o acesso aos cidadãos que neles queiram participar. Com excepção dos períodos eleitorais, os cidadãos não são importantes para os partidos. Quando se aproximam deles e querem, legitimamente, influir na sua condução e nos seus processos de decisão, são quase sempre cilindrados pelo aparelho, invariavelmente constituído por gente vinda das «jotas», cuja vida se esgota no partido e que, por conseguinte, têm de defender o seu território como babuínos famintos. Esta «mediocratização» da vida partidária portuguesa agravou-se com o tempo, com tácticas estatutárias e normas legais criadas para barricar os partidos e os reservar para uma oligarquia dirigente rigorosamente seleccionada.
5. Por isso, os partidos da direita portuguesa têm uma existência sociológica muito ténue. Admito que mais o CDS do que o PSD, mas mesmo este último, a seguir o caminho que vem trilhando há alguns anos, lá chegará em breve. Senão, observe-se a sucessiva perda de qualidade dos titulares dos órgãos políticos mais importantes, já para não falar nas lideranças. Um exemplo caricato de isolacionismo: na cidade do Porto, onde tem um eleitorado expressivo, um dos dois partidos da coligação governamental, o CDS para sermos claros, resolveu recentemente (já no governo) alugar um apartamento para se reunirem os seus órgãos de direcção, abandonando praticamente uma sede que, embora pequena, era bem maior e melhor localizada. Pelo menos, via-se da rua. Nesta última realizam-se esporadicamente assembleias concelhias e distritais. Fora isso, o partido não existe, para além da meia dúzia de dirigentes que se vão reunindo no dito apartamento, para traçarem ciclópicas estratégias.
6. É, pois, necessário abrir os partidos de direita a quem neles quisesse participar. Criar mecanismos estatutários que impedissem o seu domínio pelos aparelhos e a permanência ad vitam nos órgãos directivos de meia dúzia de figurões. Por exemplo, impedir a renovação de mandatos nas estruturas concelhias e municipais para além de um prazo razoável de quatro, cinco anos. Fazer desaparecer as «coutadas» das estruturas juvenis, traduzidas em privilégios de quotas em congressos e noutras estruturas. Impedir que os partidos sejam centros de emprego e, por exemplo, impor que quem desempenhe funções no Estado, na administração central ou local, ou na gestão pública ou em representação do Estado em empresas participadas, tenha de abandonar ou suspender funções partidárias. Querem um exemplo: Francisco Sá Carneiro que fez questão de abandonar a presidência do PSD, assim que foi indigitado primeiro-ministro de Portugal.
7. Por fim, a direita deve redefinir o seu discurso ideológico. Se repararem, o PS, o PSD e o CDS têm dito ultimamente praticamente o mesmo: querem justiça social, proteger os mais pobres, aplicar medidas sociais, para além de outras banalidades. Entre a democracia-cristã do CDS, a social-democracia do PSD e o socialismo democrático do PS, quais são as verdadeiras diferenças? Ninguém sabe. Entretanto, a classe média, que é quem verdadeiramente sustenta tudo isto, não tem quem lhe fale. Porque é que a direita, em vez de falar em nome do Estado, das dificuldades do Estado, das carências do Estado, não fala da classe média e das suas dificuldades? Quando é que algum partido se vira para a criação de condições de aumento da riqueza privada que permita a criação de empresas e de emprego. Será que alguma luminária dos nossos dirigentes partidários sabe o que foi o «capitalismo popular» da Srª Thatcher? Será que ainda não perceberam que os problemas do Estado só serão atenuados quando as pessoas viverem melhor e puderem acumular riqueza, em vez de a irem depositar quase integralmente nas mãos do Estado, como agora fazem?
8. Em suma, o discurso democrata-cristão esgotou-se e a social-democracia, também. O CDS e o PSD não têm de abandonar as suas matrizes fundadoras. Pelo contrário, elas são importantes e necessárias, embora não sejam já suficientes. Estes partidos e quem os dirige têm de olhar para outros lados e pensar segundo outros padrões ideológicos aos quais não estão habituados. Necessitam de criar causas que mobilizem e cativem as pessoas, para além dos períodos eleitorais. Mas, não podem depois, quando elas querem participar, fechar-lhes a porta.
Por hoje chega.