14.3.05

Leituras: Way of Death.



Entre as obras publicadas com um tom mais crítico relativamente a alguns aspectos da História de Portugal poderá contar-se "Way of Death: Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade, 1730-1830" de Joseph C. Miller, publicada pela The University of Wisconsin Press em 1988. Way of Death analisa aspectos históricos e económicos do tráfico de escravos no Atlântico Sul, no período mencionado no subtítulo.
O trabalho de Miller surge na sequência de obras de referência, tais como "Time on the Cross: The Economics of American Negro Slavery" de Robert W. Fogel e Stanley L. Engerman, de 1974 (Time on the Cross aborda o esclavagismo norte-americano).

Way of Death desenvolve-se em 5 partes, subordinadas aos temas Africa, Traders, Brazil, Portugal e Conclusion.

Miller descreve, entre outros aspectos, a mortalidade dos escravos, que estima como muito elevada: "A total "wastage" factor of about two-thirds may thus be estimated for the late-eighteen-century Angolan trade" (pág. 441).

A secção respeitante a Portugal tem como subtítulo a sugestiva expressão "Merchants of Death". Já o capítulo final da obra desenvolve-se sob o título "The economics of mortality".

A visão de Miller poderá contrastar com algumas visões poéticas, como poderá ser o caso da "Mensagem" de Fernando Pessoa ("Mar português")

"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
...
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
..."

Sobre a pequenez da alma, melhor será deixar o assunto para poetas e teólogos. Sobre o esclavagismo, creio que será possível propor uma resposta: não, definitivamente, não valeu a pena.

O trabalho de Miller não pode deixar de nos fazer pensar sobre o tipo de consequências que podem advir da desunião entre liberdade política e liberdade económica.

A História de Portugal é obviamente susceptível de interpretações muito diversas. Poderá ser útil saber que, se há autores que valorizam os aspectos positivos, outros haverá que olham sobretudo para as sombras da História.

De facto, acontece que, na História de muitos países, o muito bom se entrecruza com o muito mau.

Atenta a obra de Miller, poderá confirmar-se que o sal não será só de Portugal.

José Pedro L. Nunes