4.3.05

A propósito de Bolonha (II)

Mais uma excelente reflexão do nosso leitor JBM sobre o ensino em Portugal, que vem na sequência da primeira, já aqui publicada:


A crise no Ensino B+S(+Sup?): os factos; as causas; as soluções; as resistências à mudança.

As Causas

O Ensino Básico e o Secundário, nomeadamente o Ensino Público continuam em crise porque:

  1. Os programas das várias disciplinas têm lacunas e sobreposições importantes e estão descoordenados, em particular na Física, na Química e na Matemática, que são as disciplinas que melhor temos acompanhado. Aliviam-se muito os primeiros anos (até ao 4º ano quase nada se dá) e sobrecarregam-se os últimos: o 9º ano do Básico e os três anos do Secundário.
    Mesmo assim, em várias disciplinas o programa de cada ano não é completamente cumprido, o que implica insucesso na frequência da mesma disciplina nos anos seguintes, a menos que o encarregado de educação do Aluno, saiba e/ou possa completar o programa nas férias, que deveriam ser para o Aluno descansar. Este é um processo ?indutivo? ou ?ciclo vicioso? que leva a que muitos alunos cheguem ao 12º ano sem conseguirem frequentar com aproveitamento cada disciplina, nomeadamente as acima indicadas. É humanamente impossível recuperar num ano aquilo que não se aprendeu nos 11 anos antecedentes.
  2. Há disciplinas "secundárias", como as de "Área Projecto", "Estudo Acompanhado" e "Formação Cívica", que ocupam uma parte substancial da escolaridade em detrimento de outras disciplinas tais como as de História e de Ciências Naturais que só têm 1,5 horas por semana. Até a Matemática e o Português só têm 3 horas por semana e deveriam ter mais. Na prática, nessas disciplinas ?secundárias? nada é dado de aproveitável para a formação do aluno.
  3. Toda a Metodologia do Ensino (Manuais, livros de Actividades, títulos de livros, etc.) tende a convencer o Aluno de que aprender deve ser uma actividade lúdica e não um trabalho. Não são, talvez por isso, incutidos no Aluno "hábitos de trabalho" logo a partir do 1º ano. Os manuais são profusamente ilustrados, o que é bastante bom do ponto de vista pedagógico, mas não substitui a inexistência de trabalhos manuais e trabalhos laboratoriais. Por outro lado, a maioria dos manuais e livros de exercícios convida ao decalque e à memorização por repetição. Em geral, não se incutem no Aluno "hábitos de raciocínio". O grande número de manuais também leva a dificuldades de escolha. Por exº, muitos textos contidos em livros de Português do Básico desincentivam os alunos para a leitura.
  4. Muitos professores regulam a "velocidade" de leccionação das matérias pelo andamento dos alunos mais fracos e, por isso, não conseguem cumprir os programas das respectivas disciplinas. São, assim, irremediavelmente prejudicados todos os outros alunos.
  5. Com isso, pensa-se, porventura, reduzir o abandono e o insucesso escolares, mas acontece precisamente o contrário. A criação de "hábitos de trabalho" desde o 1º ano, bem como a criação de escolas técnicas bem equipadas de todas as profissões, para os que têm menos dotes naturais de inteligência, mas, porventura, mais habilidade manual, são "receitas" já testadas com bons resultados contra o abandono e o insucesso escolares.
  6. A falta de autoridade dos professores: muitas vezes se tem pretendido que o professor tome os alunos como seus iguais e não como seus discípulos. Os serviços centrais do ME chegam a impor que sejam consideradas justificadas as faltas às aulas de alunos suspensos, por certo período, devido a ofensas graves a professores e funcionários.
  7. Os alunos não são submetidos a exames gerais (pelo menos no 6º, 9º e 12º anos). Só são submetidos a "testes" (avaliação permanente?). Esses exames levariam a que todos os professores fossem obrigados a cumprir todo o programa de cada disciplina e o Aluno obrigado a rever as matérias dos anos anteriores e, com isso, ter mais possibilidade de frequentar com sucesso os anos seguintes.
    Os Sindicatos (e as Associações de Pais!) já se manifestaram frontalmente contra os exames, porque, dizem, geram "elitismo". Não deve haver competição; deve haver igualdade. Mas o facto é que os alunos não têm todos as mesmas capacidades e sempre haverá uns melhores que outros, independentemente dos pais serem ricos ou pobres. Devem, isso sim, pobres e ricos, ter as mesmas oportunidades. Não podem, nem devem, ser mantidos à força (até aos 15 ou 18 anos?) num tipo de Ensino para o qual não têm capacidade nem gosto. Devem existir em muito maior número escolas técnicas convenientemente apetrechadas para todas as profissões, onde possam progredir, manifestando a sua habilidade manual e outras qualidades, porventura muito boas. A sociedade portuguesa não pode nem deve considerar menos dignas profissões tais como a de carpinteiro, serralheiro, electricista, trolha, pintor, padeiro, etc. etc.. Isso também já não acontece na maioria dos países da Europa à qual estamos atrelados.
  8. A chamada "gestão democrática das escolas" leva a que não haja um "director", um responsável, que tenha autonomia administrativa e financeira e competência para resolver, em tempo oportuno, os problemas de contratação e/ou substituição de docentes, manutenção de instalações, etc., garantindo o normal funcionamento da escola logo a partir do 1º dia de aulas oficialmente definido. O director deveria ser escolhido a nível distrital. Será, certamente, fundamental ver como se resolve a questão noutros países da Europa, onde não se vêem os episódios lamentáveis da colocação centralizada de professores, verificados em 2004. Com isso também haveria mais estabilidade do corpo docente de cada escola.
  9. No Ensino Superior os reitores podem, actualmente, ser eleitos no Senado com os votos dos estudantes e mais um, um só, de um funcionário, ainda que contra os votos de todos os docentes. Isto só existe em Portugal!
  10. No Ensino Superior os alunos continuam a poder entrar sem a média mínima de dez valores. Para Ciências Exactas e Engenharias continuam a entrar alunos com média de 3 a 5 valores em Matemática e Física. Isso só acontece em Portugal, naturalmente também devido à má qualidade dos Ensinos Básico e Secundário.
  11. No Ensino Superior os alunos podem manter-se no curso que escolheram (muitas vezes mal) o tempo que quiserem. Mesmo que não revelem ter qualidades para o concluir, não são excluídos e obrigados a mudar de curso e/ou de nível de ensino. Isto não acontece na grande maioria das universidades europeias. Os defensores do status quo dizem que é preciso evitar "elitismos". Isto é, deve haver "igualdade". O trabalho, o mérito e a competência não podem ser recompensados e a preguiça, a inabilidade e a incompetência não podem ser sancionadas. Mas, quer queiramos quer não, temos de viver numa sociedade cada vez mais competitiva. Estamos na Europa.
  12. Constata-se no Ensino Superior que grande parte dos alunos não revela "hábitos de trabalho" nem "hábitos de raciocínio" e isso já vem do Básico e Secundário. Não acompanham as matérias à medida que vão sendo dadas. Não fazem os trabalhos práticos que lhes estão atribuídos e, quando os fazem em grupo, há um aluno do grupo que os faz e outros limitam-se a copiar. Frequentemente, em vez de realizarem, com a sua cabeça e esforço, os trabalhos práticos que lhes são atribuídos, limitam-se a ir à internet e copiar literalmente páginas e páginas de texto sobre o assunto, sem, ao menos, fazerem esforço para compreenderem o que escreveram!. Etc., etc. Nas vésperas de cada exame, fazem umas "noitadas", a que chamam "directas", para decorarem as matérias e tentarem depois "despejar" no exame. O grande objectivo é obter o "canudo", de qualquer forma, e ser "doutor", "engenheiro", etc.. E daí obterem um bom emprego ou uma profissão lucrativa e que dê pouco trabalho. Para esta atitude, que é comum em Portugal, mas não nos outros países da Europa, não há "Metodologia de Ensino-Aprendizagem" nem "Paradigma" de Bolonha que remedeie!

    JBM - Março/2005