Os tempos mudam, e com as alterações climáticas ocorridas no ambiente político, morrem certos mitos.
Um dos mitos que sempre nos venderam é que a esquerda "ama" a Liberdade, ao contrário da direita. A esquerda em Portugal é apresentada como o garante histórico da Liberdade, em exclusivo.
Não sei se uma pseudo-direita despreza a liberdade. Talvez. Mas esse desprezo é também partilhado por uma certa esquerda, basta olhar para a forma paternalista e complacente como políticos no activo toleram e até acarinham Cuba e a Coreia do Norte.
O liberalismo, neste contexto, não é de direita nem de esquerda, nunca hesitando na defesa intransigente da liberdade individual, incentivando todas as formas de aproximação do cidadão às decisões que sobre ele incidem.
Talvez a esquerda ame a Liberdade. Não serei eu quem irá qualificar os amores alheios. Mas, aparentemente, e lendo o que escreve Luís Nazaré sobre o Referendo, este é um amor "platónico": ama-se, mas não se pratica; ou pratica-se, digamos, o "essencial".
Os referendos são, no nosso sistema constitucional, a forma menos desvirtuada de participação popular. Permitem que a população manifeste a sua vontade, sem necessidade de sintetizar, num só voto, as suas aspirações sobre milhares de matérias - que é o que ocorre nas eleições legislativas. Apresentam ainda a vantagem de se poder dispensar a mediação do aparelho político, incentivando o aparecimento de movimentos cívicos. Acresce que o Referendo é a forma de apuramento da vontade popular que mais responsabiliza o eleitorado pela solução encontrada, mesmo aquele que opta por ir passar o domingo à praia, cuja omissão contribui, também, para um dado resultado. Por isso é útil recorrer-se ao Referendo quando as questões em discussão têm a densidade do Aborto, da Constituição Europeia ou da Regionalização.
Para Luís Nazaré, contudo, (sic.)"(...) os referendos nunca serviram para coisa alguma a não ser para exprimir os sentimentos conservadores e imobilistas do povo profundo (...)". Que desprezo pelo Povo, Luis Nazaré, que o obriga a ter de se conformar com estes tempos, "(...) pretensamente abertos e participativos (...)", onde só lhe resta "(...) aceitar o consenso reinante nas esferas partidárias quanto à necessidade de auscultar a população portuguesa (...)".
Que maçada esta, Luis Nazaré, termos de auscultar o Povo, em vez de o Educar...
Mas é bom ver a esquerda a reassumir sem pudor tentações antigas: a democracia apenas serve para tomar o Poder; lá chegados, o "Povo" passa a ser uma força "imobilista" e "conservadora", que importa educar, antecipando o que Ele quereria, se não estivesse agarrado a convicções retrógadas. O "Povo" passa a ser visto num sentido abstracto, figurado, deixando de ser constituído por pessoas concretas. A vontade do "Povo" deixa de ser a soma das vontades individuais, mas apenas a projecção de uma Vontade Geral, que não importa escrutinar.
Ou será que eu estou enganado, e o post em questão mais não é do que o desabafo de um jornalista que, em vez de mediar, decidiu assumir de vez que prefere o papel do 4.º poder?