Muito interessante e ilustrado este post do CAA.
Compreendendo os pressupostos de partida do CAA, diria mesmo, excelente post - sendo certo que, neste tipo de discussão, também os pressuposto são sempre, em alguma medida, uma "questão de fé" (perdoem-me a heresia terminológica, sem dúvida, influenciada indirectamente pela temática subjacente a toda a discussão).
Mais impreciso (soit-disant) foi, contudo, o post primitivo que terá originado a referida discussão subsequente.
É que, bem vistas as coisas, o Brasil - mesmo histórica e sociologicamente - estará longe (salvo melhor opinião) de ser um exemplo de Catolicismo (entendido este como submissão à ICAR); depois, porque a personificação iconográfica da "opção dos Estados Unidos da América", ilustrada na fotografia reproduzida, bem vistas as coisas, foi uma oferta e uma iniciativa francesa (oh lá, lá, mon dieu, quel sacrilège!!).
Mas, voltando a este excelente post - com cujo teor, no essencial, concordo (e sem embargo ir tentando ser aquilo que CAA denomina por "católico esclarecido") - gostaria apenas de lhe acrescentar algumas questões que, longe de constituírem um qualquer esboço de contraditório (já disse que, no essencial, concordo como que diz o CAA), apenas visam acinzentar um pouco a discussão, baralhá-la, evitando que ela, por desatenção ou imediatismo na leitura do dito texto, caia subliminarmente nas redutoras (porque artificiais) tonalidades do preto ou branco.
De facto, " a luta pela Liberdade fez-se quase sempre contra o poder da ICAR ou venceu-se apesar da oposição desta, e o liberalismo continental nasceu de uma luta, longa e árdua, contra o absolutismo real e a tirania religiosa católica que sempre o amparou" (diz o CAA).
Porém, a questão é que a dita tirania católica (da Igreja de Roma) antes de amparar o absolutismo real, serviu-lhe de contra-poder, limitou-o, entrando em tensão conflituante e concorrencial com tal poder das Coroas, Impérios e/ou Senhores (onde existiu feudalismo) no Ocidente, abrindo caminho - ainda que não intencionalmente - à formação e a evolução histórica da democracia liberal.
Percurso e sentido históricos, de certo modo, antagónicos, teve, a Oriente, a Igreja Ortodoxa, não conseguindo impor-se, na sua génese, aos poderes terrenos, não os limitando e, consequentemente, não contribuindo para que aí (na respectiva zona de influência)tivesse germinado a semente da dita democracia liberal.
Apesar de tudo, portanto, com mais ou com menos exageros anti ou pró ICAR, pelo menos, não será de lhe reconhecer o mérito de estar geneticamente ligada à formação da democracia liberal e à cultura (de liberdade) ocidental?
Depois, acho sempre arriscado tentar-se justificar todos os males e todas as virtudes, com uma só causa (note-se, não digo que seja isso que faz o texto do CAA!).
De facto, alguns aspectos do nosso subdesenvolvimento económico e, previamente, muita da nossa falta de "tradição de liberdade" , ancoram-se, mediatamente, num discurso e numa simbologia católica tradicionalista (emanada pela Igreja e/ou pelo Papado de Roma e dirigida às massas). Por exemplo, os diferentes modos de olhar (e, sobretudo, de utilizar) o crédito, nos Estado-Unidos e na Europa Católica, são apenas um dos vários exemplos.
Lá, historicamente, foi utilizado (designadamente, o crédito pessoal - hoje, diríamos, "crédito ao consumo") como um instrumento de desenvolvimento económico, servindo, por exemplo, para o alavancar de uma efectiva revolução industrial e consequente criação de uma verdadeira classe de trabalhadores (operariado) que a sustentou (e que se deslocava para os respectiva centros industriais).
Cá, sempre foi visto com preconceitos morais-religiosos, surgindo, por exemplo, as primeiras manifestações de crédito pessoal, ligadas precisamente ao culto da caridade católica (os famosos mont-de-piété, per5cursores da "casas de penhor" ou "prego").
No entanto, hoje em dia, os malefícios de uma utilização descontrolada do crédito, são, contudo e comparativamente com a Europa Católica, tanto ou mais visíveis nos Estados Unidos!
A Irlanda Católica, talvez mais arreigada à tradição (para alguns) mais obscurantista da dita ICAR do que Portugal (apesar de tudo!), não se coibiu, contudo e ao contrário do que se vai passando entre nós, de dar o salto em frente em termos crescimento económico e de reforço da liberdade e da modernidade.
Olhando para a Portugalidade, todas as nossas virtudes (talvez poucas) e defeitos (muitos), sendo também resultado da tradição e a presença do catolicismo de Roma (e de muitos outros factores em interacção), não deixam, contudo, de ser também o resultado de uma antropologia própria. O contrário (por exemplo, tudo justificando com uma espécie de culpa omnipresente da dita ICAR), será negar as nossas próprias responsabilidades (individuais e colectivas).