O tema do dia (de ontem) acabou por ser a coima de 250.000 Euros aplicada pela Autoridade da Concorrência (Adc) à Ordem dos Médicos (OM). E, sejamos claros, tal decisão da Adc acabou por ter o impacto que teve, sobretudo, pela «inaudita» e desbragada reacção do Bastonário da OM, Pedro Nunes.
Desbragada, diga-se, sobretudo aos microfones das rádios (nomeadamente, da TSF, que pude escutar, estupefacto, no noticiário das 22h.e 30m)....
Vamos por partes.
O que é que de tão grave e lesivo dos interesses da OM fez a Adc para merecer aquela reacção, difícil de qualificar, por parte do Bastonário da OM?###
É simples: aparentemente, a Adc cumpriu a sua missão, prosseguiu as suas atribuições, usando as competências que legalmente lhe foram outorgadas (Lei nº 18/2003 e Decreto-Lei nº 10/2003).
Mais ainda: a Adc seguiu, neste caso, a mesma linha que a levou a adoptar decisões semelhantes, noutros casos precedentes e análogos ao da OM.
Será bom recordar que, em matéria de "fixação de preços" por entidades qualificadas como associações de empresas , o mesmo tipo de decisão, para o mesmo tipo de situações e de comportamentos, foi adoptado, respectivamente:
1) quanto à Ordem dos Veterinários, em 12/7/2005 (Comunicado nº 7/2005, intitulado "Fixação de honorários por uma ordem profissional") e,
2) em 29/8/2005, para a Ordem dos Médicos Dentistas (Comunicado nº 8/2005).
As Ordens e as Associações profissionais são, efectivamente, e para efeios de aplicação das regras de defesa da concorrência, consideradas como associações de empresas, tal como resulta quer da generalidade da doutrina, quer da jurisprudência - tanto comunitária, como, inclusivamente, nacional. De resto, neste sentido, seguiu, também, entre nós, a Decisão do já extinto Conselho da Concorrência, de 2000, relativa à Câmara dos Revisores Oficiais de Contas, confirmada pelo Acórdão da Relação de Lisboa, de 5 de Fevereiro de 2002.
Além disso, em Comunicado de 6.09.2005 (Comunicado nº 9/2005), a Adc teve o cuidado de esclarecer a sua posição e de responder, por antecipação, a grande parte dos argumentos que o agora Bastonário da OM invoca.
Digamos, grande parte e não a totalidade, porque alguns dos dislates proferidos pelo Dr. Pedro Nunes, de facto, nem sequer são argumentos!
Será discutível a interpretação e aplicação que, da Lei, a Adc faz, neste caso, envolvendo a OM?
Claro que sim, em tese geral. Para isso, para que se ultrapassem eventuais erros ou divergências de interpretação, quer de direito, quer (em certas circunstâncias) de facto, é que existem os Tribunais. Neste caso concreto, existe, naturalmente, a possibilidade de recurso jurisdicional da decisão administrativa da Adc, para o Tribunal da Relação de Lisboa. É o sistema legal a funcionar, como se presume que deva ser no quadro de um Estado de Direito!
Mas, sendo assim, o que motivou aquela «inaudível» reacção pública do Bastonário? Será apenas pura ignorância?
Sem dúvida que nas inflamadas palavras do Dr. Pedro Nunes, transpareceu uma «inaudível ignorância» e confusão. Assim, entre outras "pérolas", disse, aos microfones da TSF (Noticiário das 22 h. 30.m), o seguinte:
- a) Indignou-se com o facto de a Adc poder aplicar coimas ("multas", nas suas palavras) a um "ente público" como a sua OM!....Seguramente, o Dr. Pedro Nunes estará a confundir a Adc, com a Entidade Reguladora da Saúde , dada a inexistência, de facto, desta última!
- b) Declarou que a OM "não vai pagar a multa jamais...", esquecendo-se da força vinculativa que a decisão da Adc terá, se não for anulada, total ou parcialmente, pelos Tribunais.
- c) Considerou que as Ordens e a auto-regulação por elas promovidas estão acima da Lei geral imperativa do Estado (que a Adc aplicou - bem ou mal - à OM), ao declarar que a AdC se move "num enquadramento político neo-liberal gravíssimo, pois visa acabar com a regulação dos profissionais feita pelas autoridades próprias". Sublinhe-se o comovente, mas estafado, chavão do "neo -liberal".
Mas, para além disso, não se pode presumir, razoavelmente, que o Bastonário da OM seja assim tão ignorante... ou, pelo menos, descuidado, permitindo-se ostentar publicamente e em representação da Ordem, essa ignorância!
Estou certo que as «inaudíveis» declarações do Dr. Pedro Nunes serão um exercício - bem ao jeito de certos dirigentes dos clubes de futebol - de demagogia interna.
Alguém me poderá esclarecer se ocorrerão, proximamente, eleições na OM?
ADENDA: este post de Vital Moreira, no Causa Nossa.
- Post Corrigido - 01.06.06