13.6.06

NOTA RELATIVA À RECOMENDAÇÃO Nº 1/2006 DA AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA.

O ano de 2006 ficou marcado, entre outros aspectos, pela apresentação, por parte da Autoridade da Concorrência (AdC), da recomendação 1/2006, relativa ao sector farmacêutico. A recomendação 1/2006 da AdC foi precedida por um competente estudo técnico/ económico e uma versão preliminar foi sujeita a processo de consulta pública.

Em síntese, a recomendação 1/2006 propunha a liberalização do regime de instalação de farmácias, a abolição do regime de reserva de propriedade das mesmas farmácias, bem como a flexibilização dos preços dos medicamentos.

Mais do que a substância da proposta, mais do que o forte e coerente substrato técnico, mais do que a metodologia utilizada, dotada de assinalável grau de transparência, o facto de maior relevo poderá ter sido a circunstância de se tratar de uma elevada entidade (uma autoridade reguladora independente) do Estado a propor, defender e fundamentar uma posição liberal.
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Pese embora o facto de que a, porventura, principal proposta apresentada - a "eliminação dos concursos para a instalação de novas farmácias e respectivos critérios quantitativos (geográficos e demográficos)" - não será, em toda a probabilidade, implementada num futuro próximo, sem prejuízo de não ter sido contrariada, de forma consistente, até à presente data, a sua base filosófica/jurídica, designadamente no que respeita ao enquadramento no normativo comunitário europeu, a recomendação 1/2006 entrou já, de pleno direito, para uma short list de textos portugueses dignos de estudo e reflexão numa perspectiva liberal.

Aguarda-se, em consequência, que a Autoridade da Concorrência e o seu Presidente, o Doutor Abel M. Mateus, na senda do notável caminho já trilhado, se debrucem sobre o restante sector da saúde, com particular relevo para a área clínica.

Os princípios não deixam de ser correctos por os decisores políticos - frequentemente levados a agir em função do possível e não necessariamente do mais desejável, ou numa perspectiva mais optimista, do bom e não do óptimo - não concederem o favor devido a propostas difíceis de atacar no plano das ideias.

Difícil seria conceber que o Estado decidisse estabelecer a liberalização do sector farmacêutico (nos termos, designadamente, da proposta acima mencionada), quando adopta uma atitude de planismo (planificação), frequentemente centralista, relativamente, entre outros, aos seguintes tópicos:

1. Quais são e qual é a natureza das Universidades que podem leccionar Medicina.
2. Qual é o número de alunos a ingressar, determinando, indirectamente, o número de médicos.
3. Quais são e qual a natureza das entidades autorizadas a conceder títulos de diferenciação profissional pós-graduada ("especialidades").
4. Qual é o número de médicos a admitir, em cada ano, à frequência de internato de especialidade, determinando, indirectamente, o número de médicos especialistas em cada área.
5. Qual é o grau de exequibilidade de um determinado médico mudar de especialidade, correspondendo, por hipótese, não apenas à vontade própria, mas ainda a alterações da procura.
6. Qual é a entidade, e quem a detém, que prestará cuidados a um dado cidadão/contribuinte/consumidor/utente/doente, pagos total ou parcialmente pelo próprio Estado.
7. Em que condições é que uma entidade não-estatal pode prestar cuidados, efectuar exames diagnósticos, etc. através de uma convenção estabelecida com o Estado, e que grau de concorrência é que se estabelece nesse campo.

No campo da saúde, tal como no da educação, a interrogação maior será a de saber se os actuais sistemas, ainda que sujeitos a reforma, são viáveis a médio/longo prazo, ou se não será necessário, em alternativa, a sua substituição por sistemas baseados, não em planismo, mas antes em novas filosofias, no conceito de liberdade de escolha, e numa considerável cura de emagrecimento.

José Pedro Lopes Nunes