Uma revista deste último fim-de-semana (penso que a «Única») publicou um interessante artigo sobre a Máfia italiana e um dos seus mais importantes e carismáticos «capos» de sempre, Bernardo Provenzano. «O tractor», nome pelo qual era conhecido dada a solidez e implacabilidade da sua liderança, sucedera a Totó Rina, a «besta», epíteto que não carece de explicação. Enquanto dirigiu ao mais alto nível os destinos da Máfia italiana, Provenzano preferiu a diplomacia à guerra, evitando o confronto directo com os poderes públicos, ao contrário do seu antecessor. Foi preso numa casa de um pastor em Corleone, na Sicília, um dos muitos esconderijos percorridos ao longo de mais de quarenta anos de fuga à justiça. Este tão prolongado período de tempo, durante o qual continuou sempre em Itália, provocou a admiração do autor do artigo, que muito sensatamente a atribui a cumplicidades entre a Máfia e os poderes públicos, sem as quais, obviamente, ela não teria sido possível.
Todavia, não espanta que seja assim.###
Durante décadas e décadas a fio (séculos?) a Itália primou pela ausência de um poder legal que garantisse aos cidadãos os valores essenciais do contrato social: segurança, justiça, em suma, propriedade. Na falta desse princípio de representatividade, o sul do país desenvolveu uma instituição ? a Máfia ? que assegurou aos cidadãos essas mesmas funções de justiça, ordem pública e propriedade, em troca do pagamento compulsivo de taxas. «La honorata societa», a sociedade, a organização das pessoas honradas, das pessoas «de bem», como a Máfia italiana era conhecida, manteve sob a sua administração uma larga parcela do território da península itálica, na qual mandava sem restrições. Quando o território se unifica em 1861, com excepção de Roma e Venez, os quadros do novo Estado e da organização sobrepuseram-se com naturalidade. Mesmo até porque a legitimidade, as funções e os métodos utilizados pelas duas formas de organização do poder não eram tão diferentes quanto isso. Não foi por acaso que os Aliados entraram na Itália pela Sicília, em Julho de 1943, ocupando-a no breve período de um mês sob a direcção estratégica dos comandos da Máfia. Que, aliás, os ajudaria a tomar conta do resto do país, utilizando os seus canais clandestinos. A organização aproveitara, assim, para se ver livre de um Estado unitário, poderoso e forte chefiado por Mussolini, que nunca lhe dera tréguas, e voltar aos «negócios». Depois disso, com a consolidação do Estado moderno italiano, a Máfia deixou de ter razão para existir como estrutura separada, e passou assumidamente a ser uma organização criminosa, única maneira de manter um poder que lhe fora retirado, ainda que muitas vezes apenas na aparência. O crime era, de resto, uma actividade bem conhecida da sua ramificação norte-americana, que encontrara na sua chegada aos EUA um Estado forte e omnipresente, pelo que facilmente se adaptou a essa nova missão. Muitas vezes, assinale-se, em estreitíssima colaboração funcional e pessoal com a estrutura política legal.
E como se desenvolveu, depois disso, o Estado italiano? Mais ou menos como todos os outros. Aqui fica uma breve passagem da «Ethics of Liberty», de Murray Rothbard, para nos ajudar a compreender melhor a natureza do Estado contemporâneo e do «contrato» social que nos «propõe»: «Há um poder de decisivo alcance inerente à própria natureza do Estado. Todas as pessoas e grupos sociais (com excepção de alguns conhecidos e esporádicos casos de ladrões e assaltantes de bancos) obtêm as suas rendas por procedimentos voluntários: ou vendendo bens e serviços ao público, ou por donativos oferecidos por livre vontade (por exemplo, por filiação num clube ou numa associação, ou por herança). Só o Estado consegue as suas receitas mediante coação, ameaçando com graves castigos aos que se neguem a entregar a sua parte. A esta coação chama «impostos», embora em épocas de linguagem menos refinada fosse conhecida pelo expressivo nome de «tributos». A contribuição é, pura e simplesmente, um roubo, um roubo em grande e colossal escala, que apenas os maiores e conhecidos delinquentes podem sonhar em igualar».
É uma análise curiosa, não é?
Todavia, não espanta que seja assim.###
Durante décadas e décadas a fio (séculos?) a Itália primou pela ausência de um poder legal que garantisse aos cidadãos os valores essenciais do contrato social: segurança, justiça, em suma, propriedade. Na falta desse princípio de representatividade, o sul do país desenvolveu uma instituição ? a Máfia ? que assegurou aos cidadãos essas mesmas funções de justiça, ordem pública e propriedade, em troca do pagamento compulsivo de taxas. «La honorata societa», a sociedade, a organização das pessoas honradas, das pessoas «de bem», como a Máfia italiana era conhecida, manteve sob a sua administração uma larga parcela do território da península itálica, na qual mandava sem restrições. Quando o território se unifica em 1861, com excepção de Roma e Venez, os quadros do novo Estado e da organização sobrepuseram-se com naturalidade. Mesmo até porque a legitimidade, as funções e os métodos utilizados pelas duas formas de organização do poder não eram tão diferentes quanto isso. Não foi por acaso que os Aliados entraram na Itália pela Sicília, em Julho de 1943, ocupando-a no breve período de um mês sob a direcção estratégica dos comandos da Máfia. Que, aliás, os ajudaria a tomar conta do resto do país, utilizando os seus canais clandestinos. A organização aproveitara, assim, para se ver livre de um Estado unitário, poderoso e forte chefiado por Mussolini, que nunca lhe dera tréguas, e voltar aos «negócios». Depois disso, com a consolidação do Estado moderno italiano, a Máfia deixou de ter razão para existir como estrutura separada, e passou assumidamente a ser uma organização criminosa, única maneira de manter um poder que lhe fora retirado, ainda que muitas vezes apenas na aparência. O crime era, de resto, uma actividade bem conhecida da sua ramificação norte-americana, que encontrara na sua chegada aos EUA um Estado forte e omnipresente, pelo que facilmente se adaptou a essa nova missão. Muitas vezes, assinale-se, em estreitíssima colaboração funcional e pessoal com a estrutura política legal.
E como se desenvolveu, depois disso, o Estado italiano? Mais ou menos como todos os outros. Aqui fica uma breve passagem da «Ethics of Liberty», de Murray Rothbard, para nos ajudar a compreender melhor a natureza do Estado contemporâneo e do «contrato» social que nos «propõe»: «Há um poder de decisivo alcance inerente à própria natureza do Estado. Todas as pessoas e grupos sociais (com excepção de alguns conhecidos e esporádicos casos de ladrões e assaltantes de bancos) obtêm as suas rendas por procedimentos voluntários: ou vendendo bens e serviços ao público, ou por donativos oferecidos por livre vontade (por exemplo, por filiação num clube ou numa associação, ou por herança). Só o Estado consegue as suas receitas mediante coação, ameaçando com graves castigos aos que se neguem a entregar a sua parte. A esta coação chama «impostos», embora em épocas de linguagem menos refinada fosse conhecida pelo expressivo nome de «tributos». A contribuição é, pura e simplesmente, um roubo, um roubo em grande e colossal escala, que apenas os maiores e conhecidos delinquentes podem sonhar em igualar».
É uma análise curiosa, não é?