7.3.05

A propósito de Bolonha (III)

As soluções propostas pelo nosso leitor JBM para o ensino em Portugal, depois de já ter elencado "Os Factos" e "As Causas" da respectiva crise.


A crise no Ensino B+S(+Sup?): os factos; as causas; as soluções; as resistências à mudança.


Nota Prévia

Até agora só consegui visualizar as 9 críticas que foram feitas sobre a 2ª parte, "As causas", as quais me são bastante lisonjeiras e algumas trazem novas achegas para a "discussão". É essencialmente a estas que vou responder sucintamente por falta de espaço:

  1. Diz Levy que a falta de autoridade se insere nas teses de alguns pedagogos que entendem que o prof. deve ser, no Ensino-Aprendizagem, um "dinamizador" e que os alunos é que têm de aprender. E assim é . Alguns desses Pedagogos que assim pensam e actuam são até doutorados em "Ciências de Educação". Radicam nos "Grupos Dinamizadores" que durante o PREC, à luz das doutrinas então vigentes na China e na União Soviética, se deslocaram pelo País tentando "ensinar" as populações, a, pelos seus próprios meios, resolverem carências decorrentes de problemas técnicos. Lembro-me de uma célebre Brigada 5 do COPCON se ter deslocado para uma aldeia de Tràs-os-Montes, cujas populações ficavam na época de grandes chuvadas sem ligação ao concelho por falta de uma ponte sobre um rio seco no verão, mas caudaloso no inverno.
    As populações, sob "orientação" e com alguns meios que os "dinamizadores" levaram para o local da travessia do rio, construíram uma pequena barragem de terra e pedras que teve honras de TV, jornalistas, etc. Só que na 1ª chuvada que veio logo a seguir a "barragem" foi pela água abaixo... Assim vem acontecendo com o Ensino que os nossos professores-dinamizadores dão (?) aos nossos filhos e netos...
  2. Outro ponto fundamental e que Levy desenvolve é em relação aos programas, que, embora de qualidade mediana, não são em muitos casos cumpridos. Eu continuo convicto que a principal razão é a de se tentar evitar os tão propalados "abandono e insucesso escolares". Estas são declaradas preocupações fundamentais do novo 1º Ministro e do Presidente da República. Estes Políticos põem como 1ª prioridade do Governo o "combate" a esses dois flagelos. Combate sim, mas como? "Facilitando" a passagem desses alunos, mesmo sem saberem? Degradando ainda mais o Ensino, baixando o nível e a exigência? Fazendo programas mais curtos e mais leves? Tudo isto se vem experimentando nos últimos 20 a 30 anos e vê-se bem o resultado. Então que fazer? Pura e simplesmente usar o "controle de qualidade" que é hoje bem conhecido e indispensável no sucesso de qualquer indústria. À saída de cada fase da produção de um dado tipo de peças, todas elas são submetidas a um processo de selecção. Se o processo de fabrico não está muito mau (Máquina velhas, desorganização, falta de cuidado dos operadores, etc.), a grande maioria das peças passa nos "testes". Porém, há sempre uma fracção que não passa.
    Hoje a fracção rejeitada não vai para o lixo. É reciclada ou é requalificada: dá-se-lhe outra função. É exactamente isto que se tem de fazer no Ensino B+S+Sup, sob pena de daqui a 20 ou 30 anos continuarmos em último lugar em "literacia" na Europa e no Mundo.
    Refira-se que "requalificar", no caso do Ensino, significa baixar de nível, isto é baixar de ciclo no Básico e no Secundário, baixar de nível no Politécnico e no Universitário. Tola é a pretensão, até agora seguida, de que todos têm de chegar ao mais alto nível nem que para isso tenham de ser mantidos no sistema, à custa do Estado, até terem cabelos brancos. É claro que tem de haver Escolas Técnicas de vários níveis e para várias "Artes e Ofícios" para absorverem os "sem sucesso" e os que abandonam.
    Não há volta a dar-lhe, a via tem de ser esta. Também ela tem de ser aplicada aos 10.000 professores do B+S com horário zero (quanto custam ao Estado?). E a outros tantos, que, não tendo qualificações, hábitos de trabalho, etc., lhes são atribuídas as já famosas disciplinas ou "áreas? secundárias". Trata-se da pesada herança do PREC...

Algumas soluções

  1. Reformular os programas de várias disciplinas do Ensino Básico e Secundário, nomeadamente os de Física, Química e Matemática, ordenando as matérias de forma sequencial apropriada, preenchendo lacunas, eliminando sobreposições, etc., distribuindo as matérias de forma mais uniforme entre o 1º e o 9º ano.
  2. Exigir que em cada ano os professores dêem toda a matéria do programa da sua disciplina.
  3. Aumentar a escolaridade das disciplinas de Ciências Naturais, de História e também de Matemática e de Português reduzindo ou dispensando as disciplinas "secundárias".
  4. Criar hábitos de trabalho e de raciocínio nos alunos desde o 1º ano. Para isso devem instituir-se comissões especializadas para cada disciplina que seleccionem os melhores manuais, livros de exercícios, etc..
  5. Reforçar a autoridade dos professores evitando a anarquia que ainda reina em muitas escolas públicas.
  6. Submeter os alunos a exames gerais pelo menos no 6º, 9º e 12º anos. Avaliar-se-ão, assim, não só os alunos mas também os professores respectivos e as escolas. Os professores serão assim obrigados a dar, em cada ano, toda a matéria do programa e os alunos terão de rever, em tempo útil, a matéria dos anos anteriores da disciplina respectiva. Poderão então, com mais sucesso, frequentar os 3 anos do Secundário. Não chegarão, como sucede agora, ao 12º ano e à entrada no Superior com insuficiências gravíssimas em disciplinas básicas como a Matemática, a Física e o Português, indispensáveis ao prosseguimento de estudos e à sua própria vida futura.
  7. O 2º e 3º ciclos do Ensino Básico deverão poder ser feitos em escolas técnicas devidamente apetrechadas e os planos de estudo e os conteúdos programáticos devem ser diversificados e apontar para a possibilidade de o Aluno, que conclui o 9º ano com sucesso, possa ingressar na vida activa (carpinteiro, marceneiro, trolha, pintor, picheleiro, serralheiro civil, mecânico automóvel, electricista, sapateiro, relojoeiro, escriturário, etc.). Estas profissões continuam a ser imprescindíveis em todo o Mundo. O nível e o grau de exigência nesse Ensino Básico Técnico (Profissionalizante), não devem ser inferiores aos do Ensino Não Profissionalizante e deve, como este, conter disciplinas básicas como Português e Inglês que o habilitem a trabalhar não só em Portugal e Países de Língua Oficial Portuguesa, como noutros países estrangeiros. Também deve dar acesso ao Ensino Secundário, Profissionalizante ou não. O Ensino Secundário Profissionalizante deve ser dado em escolas técnicas bem equipadas e os planos de estudo e os conteúdos programáticos devem ser diversificados e apontar para a possibilidade de o Aluno, que conclui o 12º ano com sucesso, possa ingressar na vida activa (Mestre de Obras, Topógrafo, Desenhador, Montador Electricista, Contabilista, Técnico de Informática ou Técnico de Manutenção de Computadores, Técnico de Electrónica, Torneiro e Fresador, Técnico de Manutenção de Máquinas e outros Equipamentos, Regente Agrícola, Tradutor, etc.). Alternativamente, poderá ingressar no Ensino Superior em pé igualdade com os que saem do Ensino Secundário não Profissionalizante. Por isso, o nível e o grau de exigência devem ser iguais nos dois tipos de ensino.
    É criando hábitos de trabalho e hábitos de raciocínio, logo a partir do 1º ano, em todos os tipos de ensino e criando escolas técnicas para aqueles que revelarem mais dotes de habilidade manual e intuição e, porventura, menor grau de inteligência, que se combate o abandono e o insucesso escolares. Não é facilitando e criando cursos "técnicos" ou "profissionalizantes", como repositório dos menos capazes.
  8. A gestão das Escolas do Básico e Secundário deverá ser feita por um Director, coadjuvado por um Gestor, quando a dimensão o justificar, nomeado a nível distrital, que seja responsável pela selecção e contratação atempadas de docentes, pela manutenção de instalações e equipamentos, etc., tudo de forma a garantir o regular funcionamento da escola. Para isso o Director deve, dentro do orçamento da escola, ter autonomia administrativa e financeira. O Gestor deve ser escolhido em concurso de provas públicas, transparente. O Director deve ser escolhido e responder perante algum órgão que envolva representantes do ME a nível distrital e entidades "distritais" públicas e outras. Será muito útil "copiar" de outros países da Europa o que lá se tiver revelado mais eficiente.
  9. No Ensino Superior o peso dos alunos no Senado, na eleição do Reitor e nalguns outros órgãos de gestão, deve ser reduzido ou anulado. Além disso, os alunos não devem intervir nas decisões em assuntos para os quais não têm competência, como seja, por exº , a duração dos Cursos Superiores ou os Planos de Estudo ou Conteúdos Programáticos das Disciplinas. Só os ex-alunos, naturalmente já profissionais, devem ser ouvidos nestas matérias. Também aqui será muito útil praticar o que se usa nas boas universidades da Europa.
  10. Só devem poder entrar no Ensino Superior os alunos que tenham nota positiva na média das provas específicas e das provas nacionais do 12º ano.
  11. No Ensino Superior deve haver "prescrições" para os alunos "repetidamente repetentes". Deverão ter de mudar de curso e/ou de nível de ensino. Isto também acontece nas boas universidades da Europa.
  12. A propósito de Bolonha e, independentemente da "fórmula" adoptada para a duração dos cursos, nomeadamente os de Engenharia, deve haver dois níveis de ensino, um vincadamente profissionalizante e outro (o universitário) mais exigente. São ambos igualmente necessários. Um óptimo piloto de fórmula 1 não tem que saber a fundo mecânica automóvel, mas o engenheiro mecânico, que concebe e projecta um novo modelo de carro de fórmula 1, tem de saber mecânica automóvel a fundo (e não só). Tanto um, como o outro, devem ser igualmente respeitáveis na Sociedade.
  13. A duração do 1º ciclo de estudos superiores não tem de ser igual para todos os cursos. Bolonha indica mínimos, não os impõe. A duração de 3 anos para o 1º ciclo não garante num curso universitário de engenharia a "empregabilidade" de quem o conclui, como exige Bolonha, mormente em Portugal com o Ensino Básico e Secundário que temos. Basta tentar esboçar, para qualquer ramo de Engenharia, um Plano de Estudos com as disciplinas básicas mínimas + disciplinas de "Ciências de Engenharia" mínimas + um mínimo de disciplinas da "Especialidade" respectiva, para se ver que a duração mínima do 1º ciclo de estudos tem, no caso das engenharias, de ser de 4 anos. Também é essa a posição do CRUP (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas) mas não o do CCISP (Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos). Estes propõem 3 anos e, a propósito de Bolonha querem, desde já, que o Governo ou a Assembleia da República "decretem" a transformação dos politécnicos em universidades...
  14. Independentemente da duração dos ciclos, diz-se que Bolonha implica uma "revolução" na Metodologia (Paradigma) de Ensino-Aprendizagem que deve ser centrada no Aluno como "actor" e não em aulas de contacto professor-aluno em sala, que é o que se faz em Portugal. Não é verdade que em Portugal isso seja sempre assim. Em particular no que aos cursos universitários de engenharia diz respeito, já mostrámos anteriormente, ao referir ?Os Factos?, as dificuldades que há em fazer em Portugal um Ensino-Aprendizagem tendo o Aluno como actor, por falta de hábitos de trabalho da maioria dos alunos. Isso não acontece na maioria dos alunos das universidades europeias. Apesar desta situação em Portugal, devemos procurar, o mais possível, fazer um Ensino-Aprendizagem centrado no Aluno, mas premiando aquele que trabalha desde o 1º dia de aulas, e penalizando o "folião" que não trabalha e pretende tirar o curso à custa dos companheiros que trabalham.
  15. O Ensino Superior, seja do 1º ciclo, seja do 2º, e os cursos de "especialização e de actualização" ou de "reconversão" que os candidatos frequentem ao longo da vida, não podem nem devem ser um "negócio", muito particularmente nas universidades públicas, para suprir verbas que o Governo não dá... Tem de haver seriedade e os candidatos devem ser avaliados individualmente.
  16. Em Portugal, como na Europa, nos E.U.A e em todo o Mundo devem coexistir universidades públicas e não públicas, umas melhores outras piores. Actualmente só em Cuba, na China e na Coreia do Norte, isso não é assim.
    Em Portugal as que não devem existir, são as universidades dos três Pês: Pagou Propinas e Passou, como existem, por exº, no Brasil.
  17. Portugal deve concentrar os seus parcos meios numa dezena de Universidades Públicas dignas desse nome. Não pode nem deve "converter", por decreto, os Politécnicos em universidade "Politécnicas". Vê-se bem que, em Portugal, cada autarquia quer ter a "sua universidade". Isso levaria a uma "gritaria" e oportunidade para mais "acções de rua" para todos obterem verbas que o Governo não tem nem pode dar. Isso não é assim nos outros países europeus. O nível do Ensino Superior baixaria ainda mais, todos os Diplomas do ES perderiam valor perante a Europa e o Mundo. Os "Diplomados" portugueses não teriam "empregabilidade" fora e mesmo dentro do País, como exige Bolonha. Que ninguém esqueça: em breve, no seguimento das declarações de Bolonha, virão as Agências europeias de avaliação de cada curso e a grande maioria dos "Cursos Superiores" portugueses corre o risco de ser classificada no "ranking" mais baixo, como continua a acontecer com os que terminam o Ensino Básico e Secundário.

JBM, 7.03.2005