14.10.05

Democracia, Liberalismo, Socialismo, Hayek, Contratualismos, Bobbio, Kelsen ...

O JM tem andado a escrever um conjunto de posts (aqui, aqui, aqui, aqui, aqui ...) onde, me parece, procura demonstrar que a democracia conduz à ditadura da maioria e que o processo legislativo assente nestas soluções é típico de sociedades socialistas e iliberais, onde a ditadura da maioria viola a esfera de direitos dos cidadãos, sobretudo daqueles que são espoliados e limitados nos seus direitos de propriedade.

Não vou «desconstruir» os posts do JM, porque me parece que a discussão vai já longa e densa. Ainda assim, penso ser útil reafirmar novamente alguns aspectos que estão a ser, na minha perspectiva, misturados e baralhados, conduzindo a conclusões que julgo serem pouco interessantes para aquilo que é a construção de um ideário liberal que seja válido e útil nos novos tempos - difíceis - que se adivinham.

A democracia é um sistema de governo, serve apenas - e já não é pouco - para permitir que os cidadãos possam eleger/escolher os seus governantes. Na verdade, e na impossibilidade de existir uma tutela directa exercida pelos cidadãos, torna-se necessário definir um processo de escolha dos que, sob mandato, vão gerir a esfera pública. A democracia diz, portanto, respeito à questão quem governa. E pressupõe que a escolha reside em cada um dos cidadãos.

A democracia, em si própria, não se confunde nem conduz ao Liberalismo nem ao Socialismo. A democracia não é um fim em si mesmo, tem uma natureza meramente operativa, não tendo o valor social que por vezes algumas pessoas tendem a atribuir-lhe. A democracia não conduz, numa relação de «causa-efeito», como JM apresenta, ao socialismo.

Não vou citar Bobbio, nem Kelsen (meu caro AAA, podes ficar sossegado). Não vou perder tempo rebatendo a ideia peregrina que o contratualismo representa uma outra face do socialismo; também não vou esgotar-me numa escrita longa, explicando o papel que na ordem espontânea de Hayek tem a ideia de «convenção» como forma de determinação da Lei que, pese embora se afirme na sociedade por uma «sobreposição de ordens» está, de longe, mais próxima de uma ideia de contratualismo - ou constitucionalismo - do que do jus-naturalismo.

A preocupação dos liberais deveria ser, acima de tudo, não tanto a questão democrática, porque essa é - pelo menos para mim - pacífica, mas sim, sobretudo:
i) a clara definição das funções que devem estar concentradas nas mãos do Estado e;
ii) como é que esse poder que é transferido para os agentes públicos pode/deve ser tutelado pelos cidadãos.

Como disse, caro AAA, hoje não me apetece citar Kelsen.

Prefiro citar um dos meus autores preferidos, e um dos textos mais simples - e, por isso, dos mais interessantes - que li até hoje sobre esta questão, a propósito de Hayek. Pedagógico, actual, Hakek no seu estado puro, sem deturpações: «A frustação do ideal democrático», Nota sobre o texto de F. A. Hayek, "The Miscarriage of the Democratic Ideal: A Recapitulation", in Law, Legislation and Liberty, Vol. 3, The Political Order of a Free People, Chicago: The University of Chicago Press, 1979, pp. 98-104, por André Azevedo Alves, cortesia da Causa Liberal. Onde se explica o porquê da frustração que por vezes sentimos pela democracia, e como é que ela pode ser salvaguardada.

Rodrigo Adão da Fonseca