2.6.06

Eu também quero uma cidade só para mim

O FCG atribui o aumento da área construída em 42% nos últimos 15 anos à corrupção. No entanto, essa teoria não explica por que é que os portugueses desataram a comprar casas de que na realidade não precisavam. É um verdadeiro mistério. O que eu acho curioso em determinadas "sabedorias" convencionais é que elas antecipam a resposta a qualquer análise do problema. Não é necessário descobrir por que é que a área construida aumentou porque a resposta já era conhecida mesmo antes de o problema ter sido colocado.
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A ideia de que a área construída aumentou por causa da corrupção é muito sedutora. Até parece que os habitantes dos subúrbios, que compraram casas a empreiteiros, com autorização de autarcas e com o dinheiro dos bancos, o fizeram obrigados. E até parece que os empreiteiros não pensaram nos clientes quando investiram na construção de prédios. Até parece que o lucro está em construir casas que não se vendem.

Normalmente são os maiores beneficiários da especulação imobiliária que mais protestam contra a construção de casas exactamente iguais àquelas onde vivem, e ainda por cima por duas razões contraditórias, porque consideram que a área construída é excessiva e porque consideram que o preço do metro quadrado é elevado. No fundo, todos gostariamos de uma casa barata numa grande cidade com vista para o campo e sem vizinhos. Uma casa de campo na cidade. Baratucha.

Deixo aqui uma pequena descrição do mercado de habitação em Portugal no fim dos anos 80: centros das grandes cidades destruídos pela lei das rendas, mercado de arrendamento inexistente por causa da lei das rendas, escassez de habitação, escassez de crédito, juros astronómicos, preços elevados, famílias numerosas, casas sobrelotadas, bairros de lata em Lisboa e Porto. Nessa época, a classe média tinha outras prioridades e não se preocupava com o excesso de construção. O excesso de construção é um problema que só apoquenta quem está suficientemente satisfeito com a casa que tem.

Quem quiser perceber as causas do crescimento da área construída deverá procurá-las entre os factores seguintes: redução do tamanho médio das famílias, crescimento económico, maior exigência dos consumidores, aumento do parque automóvel (suburbanização), redução das taxas de juro, turismo interno, afluxo de turistas estrangeiros, migrações, imigração, retorno dos emigrantes, limitação à construção no centro das cidades, entraves burocráticos à reconstrução, lei das rendas, subsídios à habitação.

Quem quiser perceber o problema da corrupção tem que ter em atenção dois poderes dos políticos: o poder de limitar artificialmente a área de construção a níveis que são insuficientes para a procura existente e o poder de criar direitos de propriedade a partir do nada levantando os limites previamente criados. A corrupção é portanto o resultado de direitos de propriedade mal atribuídos. O aumento da área construída não é o resultado da corrupção mas sim do desejo muito humano de cada um de morar numa casa decente.