14.3.05

Afinal, não tenho queda para vender água de côco...

De regresso de férias, estive ontem a ler com atenção os jornais da praxe. O novo elenco governativo representa a confirmação de que o neo-guterrismo está aí, sorridente, com o alento de uma maioria absoluta; que este governo não gosta das mulheres, ou, pelo menos, decidiu não lhes atribuir responsabilidades governativas (no meio do mal, uma coisa boa: JS teve o bom-senso de deixar Ana Gomes em Bruxelas); que o PS escolheu Freitas do Amaral para uma pasta onde teria, sem qualquer dificuldade, excelentes opções: Jaime Gama, António Vitorino, entre outros nomes que têm sido exaustivamente falados; eventualmente a escolha de Freitas serve a um destes dois, quiçá Vitorino, que aspira a um grande cargo na esfera internacional, e Freitas até pode ser um bom pivot a "distribuir jogo" e votos a favor de um candidato nacional, sobretudo se estivermos a falar da ONU...

Existem, contudo, dois factos que gostaria de realçar:

a) Com a decisão presidencial, escrevi que os executivos, mesmo os que viessem a gozar de maioria absoluta no Parlamento, passariam a estar reféns da opinião pública: o PR valorou mais o património mediático dos governos do que a efectiva acção governativa, subvertendo aquilo que era a raiz essencial do poder de dissolução.

José Sócrates vai por isso tentar comandar a agenda mediática em seu favor. Para já, conseguiu-o: anda o país todo a discutir um assunto pertinente, mas de importância residual, lançado pelo PM na tomada de posse: a venda livre de medicamentos sem exigência de prescrição médica. JS já tinha conseguido este efeito na escolha do Governo, e na gestão do dossier Freitas do Amaral. Veremos se tem a arte de conseguir marcar a agenda durante quatro anos...

b) Aparentemente, o Governo vai subir o IVA; e a taxa vai passar a ser, diz o Espesso, de 21%; o governo socialista vai justificar-se com argumentos do estilo "noutros países da UE o IVA é mais alto do que em Portugal", que "esta subida é necessária para equilibrar o défice e para manter, ao mesmo tempo a qualidade dos serviços públicos". Esta medida, embora não expressa, podia ser lida nas entrelinhas do programa eleitoral do PS. E este governo considera-la-á "necessária" e "responsável". Eu considero-a negativa, pelas razões que enunciei aqui, durante a campanha eleitoral. A subida de impostos apenas visa legitimar a despesa pública, sendo um travão ao crescimento económico e ao emprego verdadeiramente produtivo.

Os indícios de que iremos assistir a uma governação dirigida para a agenda mediática e a subida previsível dos impostos - a par da escolha de Freitas do Amaral para o governo - são maus sinais no arranque deste governo. Esperemos que não passem disso: indícios. Porque o país necessita mesmo que nos falem directamente dos problemas. Sem "agendas mediáticas". E porque o país precisa, acima de tudo, de menos Estado. De contrário, esta maioria absoluta, em vez de um convite à estabilidade e ao progresso, vai tornar-se num mero hipotecar do futuro. E todos sabemos: as hipotecas pagam-se caro...