13.10.05

Sobre as concepções liberais e a natureza da Lei (revisto)

Diz o João Miranda, num post abaixo, que «Na concepção liberal a lei descobre-se, não se faz». Ao que acrescenta, por contraposição: «Na concepção democrática, a lei é um instrumento de poder da maioria. A maioria faz a lei, os restantes obedecem».

Sem me alongar, que o tempo não me permite grandes dissertações, ainda assim, e dada a sua importância, não quero deixar de dar o meu contributo para esta discussão.

Uma concepção liberal objectivista, jus-naturalista, eminentemente clássica, vê a «Lei» - sobretudo naquilo que são as liberdades fundamentais - como algo que se descobre, que se «revela» aos indivíduos e se impõe às comunidades.

Importa contudo notar que são liberais também os que encaram a «Lei» como algo que se faz, que se constrói, numa sucessão de ordens sobrepostas, ora convencionadas, algures no tempo, e que persistiram pela força da tradição, ora deliberadamente acordadas pelos indivíduos de uma dada comunidade. Neste contexto a «Lei» (para lá daquilo que é o costume ou a tradição) resulta de uma produção normativa, a qual deverá ser a expressão da vontade dos indivíduos, manifestada livremente. «Lei», aqui, diz respeito sobretudo às regras de organização, ao modo como os indivíduos estruturam as suas comunidades. Esta forma - liberal - de ver a lei tem uma base contratualista, e encontra acolhimento na Escola Austríaca, nomeadamente em Hayek, e na Escola de Chicago, pelo menos em Buchanan, embora com diferentes abordagens e sob distintas apresentações (em grande parte pelas influências de cada um dos autores).

Entendo eu que a visão clássica, jusnaturalista, embora interessante, conduz a uma certa «sacralização» da Lei, onde o legislador se transforma numa espécie de intérprete, em busca de uma «verdade revelada», abrindo caminho a soluções onde o indivíduo (e a sua esfera de direitos) nem sempre fica(m) salvaguardado(s); parece-me, além do mais, que a abordagem contratualista da lei e das relações sociais, nas sociedades em que vivemos, pode ser mais útil como forma de garantir as liberdades individuais. Como já o referi aqui, a democracia tem uma natureza funcional, não é um fim em si mesmo, podendo conduzir à ditadura da maioria; sem democracia, contudo, não é possível construir uma sociedade liberal. E, nessa base, uma abordagem contratualista conduz a uma salvaguarda efectiva das liberdades individuais.

O que é necessário é perceber como é que, nesta sociedade complexa e recheada de burocracias, tecnocracias, servidões e limitações às liberdades individuais, podemos colocar a democracia - vista como forma de governo - ao serviço do cidadão individualmente considerado, e não, como ocorre hoje, ao serviço de maiorias ou de minorias influentes; no fundo, o desafio é procurar tornar as nossas sociedades mais Livres [sobre este aspecto, ver este post do Rui Albuquerque].

Este assunto voltará a ser abordado, aqui no Blasfémias, quando o nosso Venerável Consultor AAA e os seus editores nos presentearem com a publicação, em livro, da sua Tese de Mestrado, onde estes - e outros aspectos - estão particularmente bem apresentados e desenvolvidos; nessa altura, vou fazer questão de postar aqui uma «breve» sinopse.

Rodrigo Adão da Fonseca