14.6.06
Penosa descolagem
Através do nosso leitor jose sarney cheguei a esta notícia, que mais não é do que o corolário de várias suspeições que vinham ultimamente circulando nos mentideros. Há problemas técnicos na produção do A380!###
Nada de novo num projecto desta dimensão e sofisticação, mas ultrapassáveis com mais ou menos custos. Aliás, a Boeing debate-se actualmente com problemas similares no seu mais recente projecto, o B787 Dreamliner, estando perigosamente dependente de dezenas de outsourcers que garantem, por si só, 80% da produção do avião, incluindo componentes críticos como a fuselagem e as asas, cuja subcontratação nunca havia sido antes equacionada.
Mas os principais riscos do A380 - um projecto que tem muito de político e francófilo, com vista a demonstrar a capacidade da Europa ombrear com os Estados Unidos no gigantismo - são de natureza comercial.
Aparentemente, a estratégia da Airbus com o lançamento do A380 está em contradição com a tendência que se vem desenhando nos últimos anos de abandono gradual da filosofia hub-and-spoke. Esta tendência vem-se consolidando com o fortalecimento das Low Cost Carriers (LCCs) que têm "forçado" um retorno ao clássico point-to-point, muito mais conveniente na óptica do passageiro. É um facto que ainda não existem LCCs a operar em rotas intercontinentais, para as quais o A380 está configurado, em especial para os emergentes mercados asiáticos e para fazer ligações entre 2 grandes hubs. Mas já existem várias rotas, operadas principalmente pelas companhias tradicionais americanas, a ligarem directamente cidades secundárias, cujos aeroportos estão longe de serem hubs intercontinentais.
Nesta perspectiva, a estratégia da Boeing no desenvolvimento de aviões mid-size foi menos ousada, mas poderá revelar-se mais rentável a prazo. Não há ainda mercado que justifique um A380 ou um B747 nas rotas Cincinnatti-Lyon ou Seattle-Cantão, mas decerto já haverá para encher um B767 ou um A300, poupando assim aos utilizadores a inconveniência de um transbordo. Não será por acaso que as grandes companhias americanas utilizam principalmente o B767 e o B777 nas rotas intercontinentais, sendo que o B747 apenas é hoje operado por 2 companhias, a United e a Northwest e quase em exclusivo nas rotas do Pacífico.
O B787, tem uma tecnologia que garante custos de exploração inferiores aos aviões similares em 20-25% e um raio de acção que pode ir aos 16.300 kms, superior aos 15.000 Kms do A380. Estas características, adicionadas à sua maior mobilidade, permitem-lhe suprir necessidades quer em rotas de longo curso como as do Pacífico, quer em rotas de médio curso de elevada densidade. Isto confere-lhe uma enorme vantagem face ao A380, que ficará limitado a um reduzido número de aeroportos, os quais ainda terão de efectuar elevados investimentos logísticos para poderem acolhê-lo.
Não será por mero acaso que o B787 regista neste momento um muito maior número de encomendas - 350, face a 159 do A380. Não será ainda por acaso que a Airbus decidiu mais recentemente lançar o A350, um avião mid-size para concorrer com o B787. Só que ele irá também canibalizar o A380, para além dos riscos acrescidos associados ao desenvolvimento simultâneo de dois projectos gigantescos. Se ambos correrem mal, o contribuinte europeu que se cuide...