1.8.06

A moral, a lei e a guerra

1. Muitas das perplexidades geradas pela guerra devem-se a um desfasamento entre as regras morais que cada um herdou da sua cultura e aquilo que é possível ou viável numa comunidade internacional anárquica. É esse desfasamento que leva muita gente a revoltar-se contra a realidade por ela não ser moral.
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2. As regras morais são o resultado de milhões de anos de interacção dos seres humanos uns com os outros em pequenas comunidades. A sua eficácia depende de interacções frequentes entre pessoas que se conhecem muito bem. Isto porque a efcácia da moral depende da possibilidade de retaliação num contexto social.

3. Para comunidades maiores as regras morais são totalmente ineficazes e por isso só emergirão comunidades maiores se emergirem ao mesmo tempo leis, reconhecidas por todos, que transcendem cada um dos códigos morais de cada uma das sub-comunidades que dão origem à comunidade maior.

4. Quer as regras morais quer as leis são apenas aplicadas dentro da comunidade a que dizem respeito. As regras internas são reconhecidas como internas não sendo aplicáveis aos membros das comunidades vizinhas. Os membros das outras comunidades são tratados de forma diferente, muitas vezes como inimigos. Não podia ser de outra forma. Dado que o processo de formação da lei é um processo evolucionário, os estranhos não são parceiros fiáveis porque nem são controláveis directamente nem partilham das mesmas leis.

5. Nos últimos dias temos visto muita gente a lidar com a guerra do Líbano como se ela ocorresse dentro da sua comunidade e estivesse sujeita às regras da moral habituais. Mas a verdade é que a própria existência da guerra é a prova mais forte que se poderia ter de que não existe uma comunidade alargada que inclua portuguese, israelitas, americanos, libaneses, sírios e iranianos. Tal comunidade só poderá existir no dia em que os membros de cada sub-comunidade aceitarem leis comuns íguais para todos.

6. A comunidade internacional é ainda uma comunidade anárquica em que a força prevalece sobre a lei. Existem vários indícios de que assim é:

- nunca nenhum vencedor foi julgado por crimes de guerra

- processos de paz que não reflectem a relação de forças no terreno são constantemente quebrados

- situações similares recebem tratamento diferente da comunidade internacional

7. A aplicação de regras morais a um conflito internacional acaba por não ser lá muito racional se se tiver em conta que tais regras nunca se aplicaram aos "outros". Sempre foram regras internas das respectivas comunidades. Nunca foram aplicadas a estranhos ou às relações entre comunidades.

8. A aplicação de regras morais a um conflito internacional acabará por se revelar hipócrita no dia em que os próprios moralistas se virem envolvidos num conflito. Alguém acredita que se Portugal estivesse envolvido num conflito como o do Médio Oriente haveria por aqui tantos apelos à paz e à moral?