A generalidade da comunicação social deu por adquirido [...] (2) que há contradições entre os regulamentos desportivos e a legislação nacional. [...] Em segundo lugar, não há qualquer contradição entre «a justiça desportiva» e a legislação aprovada pela Assembleia da República. Pelo contrário. A Lei de Bases do Desporto é clara: «Não são susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas. São questões estritamente desportivas aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, nomeadamente as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito emergentes da aplicação das Leis do Jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas» (Artigo 47º).
Pode não haver contradição entre a justiça desportiva e esse artigo específico. Mas a questão essencial parece-me ser outra. O artigo 47 citado pelo Filipe apenas implica que qualquer recurso sobre assuntos desportivos será rejeitado pelos tribunais comuns. O problema é que os regulamentos desportivos não se limitam a considerar que tais recursos devem ser rejeitados. Os regulamentos desportivos penalizam o recurso aos tribunais comuns em casos de justiça desportiva. Ora o único processo jurídico que permite saber se um determinado caso é susceptível de recurso aos tribunais comuns é precisamente o recurso aos tribunais comuns. Se o acesso aos tribunais comuns é proibido, os clubes ficam na prática impedidos de aceder à justiça porque nunca poderão ter a certeza que o caso em que estão envolvidos é exclusivamente desportivo.
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Note-se que a única função da penalização do acesso aos tribunais comuns é política. A UEFA não quer, por uma questão de poder, que determinadas questões não desportivas cheguem aos tribunais. É que se o problema fosse apenas as questões desportivas, a UEFA não precisaria de penalizar os recursos porque a lei já prevê que eles serão rejeitados pelos tribunais comuns. A penalização do acesso aos tribunais comuns não é necessária para nada porque se a questão for desportiva, o tribunal comum rejeita e o recurso fica sem efeitos.
Já agora, o caso Bosman é desportivo ou não desportivo?
E volto a perguntar: Será legal um regulamento interno que proibe o recurso aos tribunais?