8.8.06

Os Proprietários, Esses Malandros...

A coisa não é original, mas fica bem aqui:

Cachopo, 10 de Agosto de 2003

Caro Senhor Dr. Ministro Sevinate Pinto

Eu sou um desses proprietários criminosos que não cuida da floresta e mereço castigo pela minha incompetência em gerir essa fonte de riqueza nacional de valor inestimável. Passo a explicar:###

1. Em 1988 herdei um terreno! Que felicidade, sr. ministro! Um terreno, com 1,8 hectares algures entre Trancoso e Celorico da Beira, ao que parece um terreno na floresta! Já tinha ouvido falar de tais terras mas nunca as tinha visitado. Foi preciso tratar da papelada para legalizar a coisa e lá me atirei estrada fora até às beiras. Estive por lá 5 dias e só no último consegui encontrar o dito. Não tem acessos, é preciso fazer meia horita de corta-mato e por isso custou a descobrir a herança. O terreno pareceu-me bonito. Reconheci uns marmeleiros e 2 carvalhos. As outras árvores não sei o que eram. Só lhe posso dizer que não eram laranjeiras, nem alfarrobeiras, nem figueiras nem amendoeiras. No fim dessa semana continuava à espera de papéis e por isso contratei um solicitador para tratar da coisa perante o estado. Esta primeira semana custou-me só 200 contos. Não foi mau.

2. Também gastei 50 contecos em anúncios para arrendar o terreno, mas ninguém lhe pegou.

3. Em 1992 recebi a certidão da conservatória com o terrreno em meu nome. Finalmente, Dr. Sevinate! 4 aninhos bastaram para ter as terras legalizadas. E nesses 4 anos só tive que ir 3 vezes às Beiras. Contando com os honorários do solicitador, até que a herança não foi cara. O total não ia em mais de 1200 contos e uns 20 diazitos de férias consumidos. Já se sabe, quem é proprietário tem obrigações. A contribuição autárquica era só de 2 contos por ano.

4. Em 1993 recebi uma carta de uma senhora que queria comprar o terreno por 1500 contos. Hmmm... talvez não seja má ideia. Lá vamos nós a caminho. Fica a papelada num advogado e mais tarde haverá a escritura. A papelada e o advogado foram mais 70 contos. 6 meses depois o advogado telefona-me. A senhora desistiu. Não a deixam construir uma maison no terreno. Voltou para França para casa da filha.

5. Em 1995 recebi uma notificação da autarquia para demolir as construções ilegalmente construidas no meu terreno. Fiquei em estado de choque! Outra vez a caminho das Beiras, desta vez começei pelo advogado. Fui visitar o terreno... e... surpresa! Um 'armazém' e um batatal! Árvores, nenhumas. Ainda hoje não sei quem utilizou a minha herança prás batatas e vendeu a madeira, mas sei que a factura da câmara foi de 250 contos. O advogado levou-me mais 300 para tentar descobrir os responsáveis mas não deu em nada. Paguei uma multa de 50 contos pelo abate ilegal de árvores. Nem discuti. Pagar a multa era muito mais barato do que a contestação.

6. Em 1996 anunciei na imprensa local que o terreno estava à venda. Ofereceram-me 40 contos. Nenhum dos proprietários vizinhos do terreno ofereceu nada. Saia mais caro tratar da papelada do que vender. Os anúncios de venda ficaram por 100 contos.

7. Foi então que resolvi florestar o terreno. 100 carvalhos a 15 contos cada um com plantação! Custou 1.500 contos mas os meus filhos um dia agradecer-me-iam. Gastei mais 60 em viagens e papelada. Até aqui a minha herança já vai em quase 5.000 contos, sem contar com a gasolina e os dias de férias perdidos.

8. Este ano ardeu tudo. O senhor ministro diz que a culpa é minha. Tem razão. Castigue-me. Multe-me. Tenho o maior prazer em pagar. Entrego-lhe o meu valiosíssimo terreno como dação em pagamento e até estou disposto a oferecer ao estado os custos da escritura. Mea culpa, Sr. Ministro.

xxx

Original, aqui.