26.3.04

A final da Taça e o Estádio de Oeiras (III)

O Joaquim Varela também postou sobre este tema e, na página de comentários, rebate a minha tese com estas pérolas:

a) Desde que existe o Jamor, só seis finais não foram lá disputadas, daí estarmos perante uma fortíssima tradição, portanto intocável;

b) A final não é nenhum privilégio dos lisboetas, pois para a ela assistir não se exige atestado de residência a ninguém e agora temos boas vias de comunicação...

c) Como é propriedade do Estado, o Jamor é um campo neutro, portanto o sítio adequado para a final.


Reafirmo o que já aqui disse: é paupérrima a argumentação em defesa da “vaca sagrada” e não sai destes lugares comuns. Vamos à tréplica:

1) Não há tradição nenhuma, estamos sim perante uma imposição. A tradição é algo a que as pessoas aderem de forma espontânea e não necessita de estar regulamentada. Por conseguinte, se de facto existe aquela, não há necessidade que a FPF disponha de forma imperativa ser o Jamor o local de realização da final. Ou seja, se amanhã tivéssemos uma final entre o Mirandela e o Mogadourense, ninguém, desde os presidentes destes clubes aos mais humildes adeptos, equacionaria jamais a hipótese de disputarem a final no estádio mais próximo, em Chaves ou em Bragança, mesmo que para tal tivessem plena liberdade. Deslocar-se-iam sim, de forma ruidosa e espontânea até ao Jamor, cumprindo alegremente a tradição...

2) As boas vias de comunicação são-no para todos, seja para quem se desloca a Lisboa ou para quem se desloca de Lisboa. Este tipo de argumentos é aliás típico da sobranceria centralista e são debitados de forma inconsciente por quem, não estando habituado a deslocações, considera desprezível o custo destas. Assume-se pois um dado adquirido que, para a rapaziada de Mirandela e de Mogadouro detentora, como é sabido, de um elevadíssimo poder de compra, seria perfeitamente irrelevante o custo e o tempo da deslocação até Oeiras. Teríamos então o estádio a abarrotar, com cerca de 500 pessoas... Deixe-me dizer-lhe Caro Joaquim, que se você, na sua actividade de empresário tem essa postura de “venham a mim os Clientes”, não lhe auguro grande futuro. Qualquer empresa que tenha um produto vendável a um determinado estrato de Clientes, vai bater-lhes à porta e não fica à espera que estes façam 400 quilómetros. Só desta forma consegue maximizar as vendas. Quer isto dizer que, se todos actuassem de forma racional, os promotores e “fabricantes” do produto Final da Taça (FPF e clubes finalistas), teriam todo o interesse, no caso do exemplo que acima referi, em ir disputar a competição em Trás-os-Montes, região onde se concentrava o mercado-alvo.

3) Campo neutro pode ser qualquer um deste País! A “neutralização” de um estádio não tem nada a ver com a respectiva propriedade - constitui aliás uma autêntica aberração o Estado ou as autarquais deterem estes equipamentos - operando-se antes com a suspensão das condições especiais dos sócios do clube proprietário do dito (lugares cativos, preços reduzidos dos bilhetes, etc) e repartição dos ingressos de forma equitativa pelos adeptos dos clubes finalistas. Em tese, o estádio do Jamor não é mais neutro do que seriam os estádios da Luz ou de Alvalade para o efeito em causa. Ou seja, estando sempre garantida a neutralidade formal, ela na prática não existe na perspectiva dos consumidores, ficando o espectáculo sempre mais caro para uns (os que têm de se deslocar) do que para outros (os residentes na região de Lisboa, onde existe o maior poder de compra do País).

4) Em suma, uma equipa lisboeta que atinja a final, jogará tendencialmente num ambiente mais favorável pelas razões acima expostas. Mas isso por si só não lhe garante a vitória e quando levantei o problema, fi-lo por outras razões: a falta de equidade para o conjunto dos consumidores no acesso a um determinado produto (neste caso, o espectáculo final da Taça). Isto é um facto e estamos perante um injustiça flagrante com claro benefício económico de quem mais pode, os residentes na região de Lisboa. Infelizmente, já concluí que uma discussão destas é inviável, dado que vem sempre ao de cima o tribalismo clubístico...