22.3.04

PELA PAZ?



As manifestações «pela paz» que assolaram a Europa Ocidental na passada semana, limitaram-se a repetir uma tradição continental muito frequente nas últimas décadas e deixaram uma desagradável sensação de dejá vu, desta vez, à custa do sangue inocente dos mortos do 11 de Março. Sempre em nome da «paz», vimo-los manifestarem-se em momentos de um passado ainda recente, fosse contra a presença da NATO na Europa, a estratégia de armamento americano para fazer face à ameaça soviética e a guerra do Vietname, ou em defesa da «pureza» da revolução cubana, de Fidel e do «Che», das revoluções «libertadoras» da América Latina e da África, de Ortega na Nicarágua, de Allende no Chile.
Mas já os não vimos aparecer quando, em 1956, a URSS invadiu a Hungria, ou a Checoslováquia e o Afeganistão, em 1968 e 1979. Nem os sentimos preocupados com os mísseis soviéticos de Cuba direccionados para os EUA, ou na RDA virados para a Europa Ocidental. Como também, não reza a história que tenham vertido lágrimas pelos povos africanos e asiáticos subjugados pelos interesses imperialistas de Brejnev que, aliás, inventara, com alguma ironia, um patético «Conselho Mundial para a Paz», onde alguns tontos úteis, como o descolonizador Costa Gomes, se entretinham a lançar anátemas sobre o «imperialismo americano», embalados pelas doces intenções do paraíso socialista soviético.
Nesta visão redutora do mundo, o que verdadeiramente ostentam estes «pacifistas» de pacotilha é um profundo ódio aos Estados Unidos da América e aos valores da democracia liberal e do mundo ocidental, que eles exemplarmente têm defendido desde, pelo menos, 1917. Não é o amor à paz, que qualquer ser humano normal prefere à guerra, nem a compaixão pelos povos do Médio Oriente escravizados por bonzos e ditadores locais, ayatollahs e líderes iluminados, que os faz movimentarem-se. É o ódio à América, símbolo do capitalismo liberal. Nem mais

Esta forma de olhar para a América e o que ela representa, é filha dilecta do mais puro leninismo ideológico. Vladimir Ilitch Ulianov, pensador medíocre e revolucionário eficaz, definiu como inimigo principal da «gloriosa» revolução de Outubro e do novo regime que ela implantara, o «imperialismo capitalista». Pouco inspirado e nada original, Lenine segue de muito perto John Hobson e Rudolph Hilferding, quando diz que «o imperialismo é o grau superior de desenvolvimento do capitalismo» e que «a divisão do mundo entre grupos de empresas (trusts) começou». Contudo, esta fórmula pegou, divulgou-se nas décadas seguintes e ganhou uma legião de adeptos que continuam por aí.
Os regimes comunistas soviéticos pulverizaram-se com a queda do muro de Berlim em 1989. Mas a mentalidade que criaram subsistiu. É conveniente tê-lo presente na avaliação de certos acontecimentos.