Mário Soares, um dos poucos “senadores” da política portuguesa e europeia, provavelmente com a bononomia que sempre o caracterizou e, sobretudo, com a impunidade dos seus muito bem conservados oitenta anos, surpreendeu-nos, hoje, com a sua estratégia anti-terrorista: o diálogo, “em alternativa ao uso da força, para perceber os objectivos da rede liderada por Osama bin Laden e combater o terrorismo”! De um modo muito cristão, salientou ainda, a este propósito, que “perceber o outro é fundamental”.
Mas o ex-presidente da República não se ficou por aqui! Efectivamente, num forcing de ultra radical santidade cristã que talvez esteja mesmo para lá da redenção, ainda deixou cair, talvez caridosa e displicentemente, algumas pérolas como: "se fosse necessário falar com Hitler para evitar um ano de guerra, valia a pena". Apetece dizer, volta Chamberlain, que estás perdoado!
Há, contudo, vários equívocos que se vislumbram nas declarações de Mário Soares. Desde logo, o do pacifismo unilateral que esteve (e talvez ainda esteja) muito em voga, sobretudo, nos anos setenta, no auge da “guerra fria”. Na verdade, este equívoco propagado por uma certa esquerda ocidental “pró-soviética”, pretende fazer-nos crer que basta que nós não queiramos a guerra para que ela não exista – como se o estado de guerra dependesse apenas de uma parte, de um lado, de um beligerante! Foi a propósito desta pseudo-doutrina (equívoco intencionalmente semeado por uma certa esquerda) que o insuspeito Mitterrand afirmou, ainda no tempo do Pacto de Varsóvia : “é curioso, os pacifistas estão do lado de cá, mas os mísseis estão do lado de lá”!
Depois, o mais banal dos equívocos dos tempos que correm, designadamente, a propósito das novas manifestações do terrorismo actual: tudo merece uma explicação, de acordo com os nossos cânones; todos são dignos de uma compreensão desculpabilizante e desresponsabilizante! Os terroristas, coitados, lá no fundo, terão as suas razões! Nós – ocidentais, democratas e, - ó, sacrilégio! - capitalistas, é que não os compreendemos... Enfim, trata-se do retorno ao velho mito de Rousseau, que está na base do que é intrinsecamente o pensamento da esquerda clássica: no fundo, no fundo, não há homens maus, todos – e em particular os exóticos terroristas incompreendidos – somos uns “bons selvagens”.
O problema, realmente, será nosso, porque já não somos selvagens! Expiemos, portanto, a nossa culpa; revoltemo-nos contra a nossa civilização e, por consequência, desculpemos todos os que nela não se revêm, nem que manifestem tal rejeição à lei da bomba e nos digam “vocês amam a vida, nós amamos (ansiamos) pela morte”!