28.3.04

MARCELO FAZ COMPARAÇÕES ABSURDAS

Revelando uma desonestidade intelectual que já está para além da redenção, Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou o seu tempo de antena dominical na TVI para relacionar ideologicamente o PND com a força política extrema direita francesa, racista e estatizante, liderada pela nefanda figura de Jean Marie Le Pen.

Marcelo Rebelo de Sousa estava a falar há cerca de uma hora. Já tinha analisado vários temas da política nacional e internacional com aquela volúvel ligeireza que lhe é proverbial.

De acordo com a lógica que se consegue extrair daquilo que afirma, Marcelo Rebelo de Sousa tinha tentado demonstrar a facilidade gritante com que seriam resolvidos alguns dos principais problemas políticos contemporâneos: a questão do Iraque, o conflito na Palestina, os temores ocidentais face às ameaças globais do terrorismo, entre outros. Tudo o que seria necessário para que essas dificuldades fossem vencidas, depreende-se, limitar-se-ia a termos de seguir, com fidelidade, os sábios e avisados conselhos do Professor Marcelo.

Ou seja, os grandes temas da política actual seriam remediados se os líderes mundiais - Bush, Blair, Chirac, Puttin, Kofi Annan, Sharon, Arafat, Aznar, pelo menos - ouvissem os comentários do Professor Marcelo na TVI!

Ou então, caso as suas agendas ou o estorvo dos fusos horários não o permitissem, do mal o menos, lhe telefonassem de quando em vez para melhor se aconselharem...

A dado passo, o Professor Marcelo sentenciou acerca dos resultados da 2ª volta das eleições locais francesas. Falou em "cartões amarelos ao Governo", vaticinou remodelações e tempos amargos para a maioria governamental em França. Enfim, tudo coisas demasiado originais que nenhum outro mortal, desprovido das capacidades extraordinárias do Professor, teria, sequer, imaginado.

Foi então que o excessivamente macio e impressionável locutor de serviço da TVI inquiriu o verdadeiro oráculo que tinha pela frente da possibilidade de algo semelhante acontecer em Portugal.

- "Que não, que não" - certificou o Professor, sorrindo - "é que aqui em Portugal a extrema direita, A NOVA DEMOCRACIA, não tem a mesma força que o senhor Le Pen tem em França".

Há duas possibilidades para explicar este disparate. Ou o Professor estava demasiado cansado e foi negligente; ou não o foi, e esta comparação despropositada foi intencional e dolosa.

No primeiro caso o Professor Marcelo Rebelo de Sousa deverá pedir desculpas públicas pela sua grosseira falta de cuidado.

No segundo caso, revela uma lacuna séria na honestidade de uma figura pública que já deteve grandes responsabilidades antes de ser comentador dominical na TVI.

É quase ocioso lembrar que a Nova Democracia não tem aspecto algum que a possa conotar com qualquer forma extrema direita política, passada ou presente. Isso não existe no seu Manifesto. Nem na sua Declaração de Princípios. Nem na Moção aprovada no seu I Congresso. Nem em qualquer documento ou declaração política dos seus dirigentes.

Nenhum militante do Partido da Nova Democracia, independentemente das suas responsabilidades, defende causas, teses ou temas, vizinhos de qualquer extremismo ou totalitarismo. O partido de que sou militante é pela Liberdade. Defende inexoravelmente os direitos fundamentais. Qualquer forma de racismo ou de xenofobia é-nos repulsiva. Qualquer ideia que contrarie a dignidade da pessoa merece o nosso combate. Temo-lo afirmado vezes demais para alguém, supostamente tão bem informado como o Professor Marcelo, ainda de tal não se tenha apercebido.

O que deixa, apenas, as possibilidades do Professor ter tido um infeliz momento de extrema desatenção ou de estar a querer mistificar e deformar a realidade, servindo-se do veículo da TVI para atingir propósitos menos claros.

Em qualquer dos casos, este é um incidente revelador de manifesta irresponsabilidade, para além de atestar o estado de decrepitude moral do sistema político português, exemplificado por um dos seus mais reputados artífices.