No curioso mundo do dr. Vitorino, o Estado é o sujeito de todas as acções: ?incentivar?, ?garantir?, ?definir?, ?ordenar?, e ... ?pagar?. Os cidadãos existem passivamente, para serem ?mobilizados? e ?compensados?. Tudo depende do Estado e da sua ?política de ordenamento florestal?. Porquê? Porque, como seria de esperar, a causa do mal é o ?lucro no mercado?, razão pela qual os ?proprietários? teriam forrado as nossas encostas com ?árvores de crescimento rápido?.
Eis tudo explicado e tudo resolvido. Mas a história podia ser contada de outra maneira. Em Portugal, o Estado foi demasiadas vezes um instrumento para aplicar o que alguns políticos iluminados imaginaram ser as receitas do progresso. A ocupação intensiva do território, através da cultura e da ?florestação?, foi uma dessas receitas. Em nome do progresso, ignoraram-se condições naturais, atropelaram-se tradições históricas, e questionou-se o direito de propriedade. O Estado apossou-se de terrenos comunitários para os cobrir de arvoredos instantâneos. A partir de 1919, obrigou os proprietários de incultos com mais de 100 ha a fazer o mesmo. E quando as populações, ingratamente atrasadas, ousaram resistir à grandiosa visão florestal, os iluminados recorreram à força armada para as fazer ver a luz. Aconteceu no Gerez e na Estrela em 1888-1889. Aquilino Ribeiro tirou de incidentes semelhantes um romance: Quando os Lobos Uivam (1958).
Esses pinhais-de-artifício pertencem menos ao cadastro do mercado, do que ao catálogo de desvarios da nossa política desenvolvimentista. Da Ota para trás, a lista é grande. Graças a um complicado sistema de protecção alfandegária, Portugal chegou a ser um dos mais esforçados produtores de trigo, quando era um dos países europeus com menos condições para essa cultura. Em resultado, Lisboa pagou, durante décadas, o pão mais caro da Europa, e os solos do Alentejo foram submetidos a uma erosão inútil. Mas os iluminados, que agora exigem aeroportos, queriam então um país autosuficiente em trigo e madeira, independentemente dos custos. E assim, com muita ?mobilização? e muitas ?compensações?, se fizeram pinhais e searas, proporcionando bons negócios a alguns. O Estado dos iluminados foi sempre melhor a dar lucros do que a aplicar a lei. E foi também sempre mais eficaz a destruir do que a repor qualquer ordem. Demasiadas vezes, a passagem do tempo revelou apenas a imprevidência dos iluminados. A ?floresta? é um exemplo. Quando as populações abandonaram os campos, o arvoredo do nosso Grande Salto em Frente ficou para trás, como pastagem para incêndios.
18.8.05
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