O tempo não abunda mas não quero deixar de fazer uns breves comentários (e não serão mais do que isso, pelo que apelo à benevolência dos leitores) no seguimento deste repto do meu amigo RAF.
Sobre Maquiavel e o liberalismo, nada acrescentarei já que o Rui de Albuquerque brilhantemente abordou a questão. Partilho com o Henrique Raposo o apreço por Hobbes, que é para mim o mais injustiçado dos filósofos políticos. Mesmo no campo dos autores que mais aprecio, entre figuras de proa, apenas Oakeshott, Strauss e Buchanan são honrosas excepções no que diz respeito ao tratamento de Hobbes. Este é um assunto que me é particularmente caro (ao qual já dediquei alguma atenção no passado e que espero voltar a abordar no futuro) mas que exige desenvolvimento mais aprofundado do que o possível nestas circunstâncias.
Quanto à questão da visão da natureza humana, creio que a base mais sólida (embora não a única possível) para uma mundividência liberal, é uma perspectiva nem ingenuamente optimista nem absolutamente pessimista. Uma perspectiva que reconheça que provavelmente todos (ou quase todos) temos simultaneamente algo de anjo e de besta e que o estabelecimento de uma ordem social estável e próspera depende de aceitarmos os homens tal como eles são. O agente empreendedor de Kirzner (que em certo sentido não é mais do que um refinamento da teoria do processo de mercado desenvolvida por Mises), em constante processo de descoberta, encaixa quanto a mim perfeitamente nesta visão equilibrada da natureza humana.
Como muito bem assinala o Tiago, um dos contributos fundamentais de Adam Smith foi explicar como o interesse próprio pode ser um poderoso factor de cooperação social. Daí que quem procura ver em The Theory of Moral Sentiments um "antídoto" ou mesmo uma "contradição" relativamente ao pensamento de Smith em The Wealth of Nations peque por não compreender em que medida o interesse próprio e a sympathy são elementos complementares no conjunto da obra do filósofo escocês.
Generalizando e simplificando um pouco poder-se-ia afirmar que a cooperação social é possível mas apenas num contexto institucional que enquadre devidamente o interesse próprio. Daí a importância das estruturas sociais e políticas e dos incentivos que geram. Neste sentido, o intervencionismo estatal que perturbe esse contexto institucional é indesejável, mais do que por ser gerador de ineficiências, por induzir um processo de estagnação ou mesmo regressão civilizacional.
Adenda: Agradeço ao FCG a chamada de atenção para a não inclusão de Oakeshott na referência aos autores que fizeram justiça a Hobbes na versão inicial do post. É o que dá escrever posts a horas tardias.
Leituras recomendadas:
MAQUIAVEL E O LIBERALISMO, E BELFAGOR, O ARQUIDIABO QUE SE CASOU, por Rui de Albuquerque.
Cooperação, por Tiago Mendes.
OPTIMISMO E PESSIMISMO: ESQUERDA E DIREITA - ligeiro contributo de RAF
OPTIMISMO E PESSIMISMO: ESQUERDA E DIREITA, por Rui de Albuquerque
Maquiavel e Liberalismo, por Henrique Raposo.
[André Azevedo Alves n'O Insurgente]
Rodrigo Adão da Fonseca
P.S. Caro AAA, agradece ao Board por mim esta dispensa.